Capítulo 1 - Marcas de Sangue

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Durante muitos anos, pela manhã, acordei cedinho para preparar um café, deixando que o aroma perfumasse a casa e despertasse meu filho. Esse era o sinal para que André levantasse, pois a hora de ir à escola era chegada.

Assim que o meu menino estava a salvo pelos muros da escola, eu me colocava a fazer minhas orações, pedindo sempre para Deus livrar o meu filho do perigo e da morte, e que não o deixasse se envolver com drogas, uma vez que morávamos em uma favela do Rio de Janeiro.

Após o falecimento do meu esposo, decaiu sobre mim a responsabilidade de criar meu filho sozinha, e ter visto o pai sendo assassinado na porta de casa, foi um choque irreparável na mente de um menino de apenas dez anos de idade. O bandido chegou por trás do meu esposo, que vinha cansado do trabalho, e atirou pelas costas. Ou era isso ou ele entraria e mataria a todos nós. Ainda assim, André conseguiu ver o rosto do assassino.

Nunca mais fomos felizes, e meu filho nunca mais foi o mesmo. Batalhei para que conseguíssemos sair da favela, esse era o meu maior objetivo na vida e o faria a todo custo. No entanto, os meses foram passando, e as dívidas só aumentando, tornando o sonho de deixarmos aquele barraco cada vez mais distante. O que mais me doía, era que mesmo depois de tanto tempo limpando a porta suja de sangue, aquela mancha nunca saiu dali, e sempre que meu filho chegava da escola, passava a mão naquela marca, como um sinal de que um dia se vingaria pela morte do pai.

Ensinar o caminho certo a ser seguido para André, lhe instruindo a fazer as melhores escolhas, foi uma tarefa que falhei. Morar em um lugar onde o que predomina na cabeça de alguns adolescentes são as facilidades que um mundo de drogas e armas pode proporcionar, não me ajudou em nada. Incontáveis foram as noites sem dormir o esperando voltar para casa, quando só o que eu tinha em mãos eram fortes preces. Dia a dia eu via meu filho se envolvendo cada vez mais no tráfico de drogas.

Os anos se passaram e o inevitável aconteceu, meu André se tornou o dono do morro. Parece controverso, mas sim, ele se tornou aquilo que seu pai e eu tanto lutamos para que não se tornasse. Ganhou respeito, fama e dinheiro; e se chegar tarde em casa era a minha preocupação quando menino, quando jovem, saber se estava vivo era prioridade máxima. Meu maior medo era de um dia alguém bater na minha porta com a notícia de que meu filho estava caído baleado em um beco, ou pior, morto.

Nocte Angelus - Acertos de ContasOnde histórias criam vida. Descubra agora