Mas o destino, ou algo muito poderoso, consegue preparar caminhos que nós, humanos, não conseguimos entender em um primeiro momento, e só quando estamos diante dos fatos decisivos, é que vemos quanto somos parte de um grande espetáculo.
Certo dia, um dos soldados do meu filho foi chamá-lo em casa. Era um almoço de domingo e eu havia preparado seu prato favorito, pois gostava de agradá-lo em suas raras visitas. Naquele dia, eu vi meu filho sorrindo ao relembrar histórias divertidas que viveu com o pai, mas quando o soldado o requisitou, sua fisionomia mudou completamente. Era como se André sentisse que algo de ruim estivesse prestes a acontecer, e por ele ser o "Chefe do Morro", seus subordinados só poderiam executar uma sentença mediante suas ordens.
André pediu licença para se retirar da mesa, pois tinha algo importante a resolver. Foi até a porta e consegui ouvir seu soldado lhe dizendo que "o Menor estava devendo e que era chegada a hora de pagar". Pedi para ele ter calma e fui para o meu quarto. Fiz uma breve prece e, ao notar que já haviam saído, troquei meu calçado e os segui.
— E quem é o Menor? — Perguntou André para o soldado. — Vai lá e busca ele pra mim, sem machucar o moleque. Quero ver qual vai ser o desenrolo!
André se dirigiu para o alto do morro, onde se concentravam o restante dos soldados, um local chamado "Tribunal do Desenrolo". Na verdade, era um antigo campo de futebol que fora desativado pelo tráfico, pois sua posição geográfica era privilegiada. Lá de cima podia-se contemplar toda a favela, cada beco, cada casa, entradas e saídas, e daquele penhasco muitos já foram mortos. Em um dos cantos desse campo, colocaram uma espécie de altar com uma escada de seis degraus, e no topo do pequeno altar, uma cruz de aproximadamente seis metros altura, que servia para amarrar as pessoas que ali seriam julgadas.
Enquanto isso, três soldados foram até a casa do tal Menor. Chegaram já metendo o pé na porta, invadindo a casa, e o arrancaram de lá de dentro. Ele estava sozinho, seus familiares não podiam imaginar que, naquele instante, o Menor estivesse sendo arrastado pelas vielas da favela. Um dos soldados ainda gritou:
— Ninguém avisa a mãe desse aqui. Se falar, vai morrer junto!
Carregaram-no até o tribunal, e pelo caminho vinham cantando raps ameaçadores e intimidadores, em rimas, com as frases "vai morrer" e "hoje é o dia do pagamento". Faziam a melodia naquele cortejo, onde nenhum morador podia sequer olhar para o rosto de quem estava sendo arrastado. Finalmente jogaram o Menor no chão, próximo aos pés de André.
— Eu falei que não era pra machucar o moleque, não foi? — André olhou para os soldados com tanta ira que eles rapidamente se retiraram.
Algum morador via a cena de longe, então pediu para uma criança correr até a igreja onde a mãe daquele garoto estava e avisá-la que ele iria morrer, mas sem contar que fora a mando de alguém. A criança rapidamente desceu as escadas da favela, batendo de igreja em igreja atrás da mãe do Menor, e nada de encontrá-la. A notícia acabou se espalhando na calada, sem que o "Chefe do Morro" desconfiasse que a mãe estava sendo caçada para tentar reivindicar a salvação do filho.
— Então, Menor, dá o papo! Como vamos resolver essa parada? — André caminhou até a mesa, pegou a pistola e voltou na direção do garoto.
— Chefe, chefe, eu vou pagar, eu juro pro senhor! — Respondeu o Menor gaguejando de medo.
O clima de tensão pairava no ar, ninguém ali tinha coragem de interromper o tão temido André no momento em que demonstrava o poder que havia conquistado através do medo e do terror sobre as pessoas.
— Que você vai pagar, disso eu tenho certeza! — Quando André disse isso, os soldados que estavam em sua volta riram em uníssono, quebrando o silêncio. — O que quero saber, é como será esse pagamento. — Nesse momento, as lágrimas do menino começaram a rolar. — Agora não é uma boa hora pra chorar! — Falou quase sussurrando em seu ouvido.
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Nocte Angelus - Acertos de Contas
KurzgeschichtenAndré tem em sua frente a oportunidade de vingar a morte do pai e Nocte Angelus está ali para ajudar a cumprir.