Um

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Katherine

A primeira vez que pensei em voltar para casa foi em maio do ano passado, estava no meio da primavera, em uma cidade em que as flores pareciam tomar conta de todas as casas, estavam nos bares, no meio das ruas, em todo cantos que via. Foi quando uma amarela, que lembrava os pés de Ipe da casa da sua mãe, tocou o meu cabelo, enquanto caminhava de volta do trabalho que percebi, precisava voltar para você.

Desde então venho me desfazendo de algumas coisas, joguei fora o sofá da sala, coloquei meus quadros na doação, me desfiz de metade dos meus móveis e coloquei minhas bagunças em caixas, mesmo sempre as montava de volta no lugar dias depois. O dono do apartamento, senhor Mario, sempre me escutava dizer que aquele seria o último mês que pagaria o aluguel, e vez ou outra levava gente na minha casa, buscando um novo inquilino, sempre tinha minhas crises quando isso acontecia e ele ficava me pedindo desculpas pelo resto da semana.

Mesmo mentindo para todos os meus conhecidos e até para mim mesma, o pontapé final foi o pequeno email que me mandou, meses atrás, depois de anos sem qualquer contato. Tive que ler aquelas palavras diversas vezes até compreender tudo que estava ali escrito, mesmo sendo tão simples e informal como conversar sobre amenidades com a senhora na sua frente na fila da padaria. Contudo, era difícil acreditar que você estava falando comigo, chamando para mais perto, como uma velha amiga da escola.

"Olá, Kat. Como anda as coisas por aí? Bom, aqui está tudo estável. A propósito, vou me casar na semana que vem, acredita? É, eu também não... Conto com a sua presença, se quiser vim é claro, não que seja um evento muito importante, talvez esteja ocupada com o seu trabalho (???). Venha se achar que pode. É isso, até logo.

Segue o anexo do convite."

Aquela mensagem rodou pela minha cabeça por dias, todas as noites depois de voltar para casa abria um vinho e lia o seu email, sempre me emocionava na terceira ou quarta vez, principalmente por saber que ainda tinha meios de conversar comigo, mesmo assim não fez, isso me destruiu um pouco.

Com o passar dos meses que tinha chegado naquela cidade imaginei que iria até a mim, bateria na porta, pediria para voltar, ou ligaria para perguntar se eu estava bem. Entretanto, até a minha saída, a porta não tinha sido aberta, o telefone tinha se despedaçado com o silêncio das minhas palavras não ditas.

Na minha última semana aqui pedi demissão do meu emprego, sabia que ganhava bem o suficiente para ter uma vida confortável durante tivesse naquele escritório. No entanto, a minha ida seria sem tempo determinado e não queria fazer as coisas nas pressas. Felizmente meu chefe deixou as portas abertas para se algo der muito ruim ai, sem contar que, mesmo não parecendo em nada o seu tipo, moreno, olhos negros e sorriso gentil, eu tive um caso de mais ou menos dois meses, que acabou de forma estranha e amigável, com ele me apresentando como sua ''parça'' para os seus amigos mais íntimos.

Fazia frio quando eu coloquei as chaves do apartamento em cima do balcão do porteiro Paulo, junto com um bilhete de despedida para Mario, e mesmo dizendo que era os meus últimos dias ao longo daquele mês, ele só iria acreditar quando sumisse de vez, aquele era o momento.

O homem do outro lado era um dos primeiros que tinha realmente conhecido quando me mudei para cá, tanto por sempre ter que levar embalagens suspeitas até mim quanto por ajudar a subir quando tudo que se tinha aqui era álcool. Teria a idade do meu pai se ele estivesse vivo, com fios brancos e uma pele branca como neve, o senhor trabalhava de terno azul, com um lenço amarelo no bolso.

Meu eterno "e se..."Onde histórias criam vida. Descubra agora