4. A Chave

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Danny saiu correndo desesperado. Pegou sua bicicleta que estava jogada de qualquer jeito no quintal e foi para a rua. Ao passar pelo portão da casa, o velho estava lá, sentado no muro.
- Apresse-se garoto. – Danny o ouviu murmurar quando passou por ele – O tempo passa rápido.
Querido leitor, o que Danny disse foi algo muito feio e acredito que você nem queira saber. Se ele fosse meu filho, já teria lavado sua boca com água e sabão, mas enfim...
Danny pedalava com pressa. O museu ficava muito longe dali. Precisava correr se quisesse sair daquele lugar e voltar para o mundo dele. Ainda havia o fato de o espelho não estar realmente no museu. O garoto preferia nem pensar nessa possibilidade e seguia em frente, algumas vezes quase atropelando alguém que atravessava a rua.
Num determinado trecho, um pedestre xingou Danny que quase o atropelara. O garoto focou sua atenção no pedestre, esquecendo-se de olhar para frente. Uma buzina, gritos e o cheiro de pneu queimado. Uma van quase acertou Danny em cheio quando ele entrou na contramão sem querer. O garoto perdeu o controle ao tentar se desviar do veículo e foi em direção a um barranco.
Ele rolou alguns metros barranco abaixo, bateu a cabeça num toco e desmaiou.
Você pode estar se perguntando, querido leitor, se a história de Danny acaba por aqui, mas não, ela não acaba. Não sei se você, leitor, está torcendo pelo bem ou pelo mal desse garoto. Em minha humilde opinião, não seria tão ruim se Danny ficasse preso para sempre no mundo dos espelhos, entretanto não estou aqui para dar opiniões, mas para narrar os fatos que a mim foram contados.
Enquanto estava desmaiado, Danny teve um sonho, onde ele estava num lugar desconhecido e solitário. Vários seres parecidos com pequenos morcegos humanóides surgiam do nada e voavam em direção ao garoto. Ele corria e corria e não saia do lugar. O garoto viu então pessoas a alguma distância. Ele tentava pedir socorro, mas sua voz não saia.
As criaturas se aproximaram de Danny e lhe puxavam os cabelos, socavam-no, empurravam-no e ele não conseguia se defender, pois eram muitos. Quando o garoto finalmente conseguiu sair do lugar e alcançar as pessoas que estavam a certa distancia, elas sumiram. As criaturas continuaram a lhe perturbar, numa agonia infernal.
- Está gostando garotinho malvado? – Perguntou uma das criaturas que o atormentava soltando risinhos debochados enquanto puxava suas orelhas.
Danny fazia um esforço enorme para gritar, mas estava completamente mudo. Ele tentava se livrar das criaturas, mas todos os seus esforços eram em vão.
- Você ficará aqui conosco para sempre! – Guinchava outra das criaturas dando cascudos em Danny – Esse será o seu castigo por ser tão malvado!
Danny queria gritar. Não queria ficar ali para sempre. Ele queria voltar para casa. Do nada, o velhote do museu apareceu em seu sonho. Ele estava distante de Danny e sussurrou algo que o garoto custou a entender, mas entendeu.
- Eu disse que não deveria tocar no espelho, não disse?
- Não! – Berrou Danny, acordando muito assustado.
O garoto percebeu que tudo não passara de um pesadelo. Um pesadelo bastante assustador e que ainda lhe causava angústia. Observou ao redor e lembrou-se de que tinha perdido o controle da bicicleta e rolado barranco abaixo. Estava machucado. Cheio de arranhões e hematomas. A cabeça doía. Precisava chegar rápido ao museu. O sol logo iria se por. Não sabia quanto tempo ficara desmaiado ali, mas deveria ter passado muito tempo.
A bicicleta estava quebrada. O jeito era correr até o museu. Era um pouco distante dali, mas se ele se apressasse chegaria a tempo. O garoto deixou a bicicleta para trás e saiu correndo. As pessoas na rua o observavam assustadas. Um garoto todo machucado, correndo como um louco. Não era de admirar que se assustassem mesmo.
Danny avistou o museu a poucos metros. Seu coração inflou de esperança. Ele correu mais rápido. Sentia dores pelo corpo inteiro, mas não se importava muito com aquilo. Precisava pegar o espelho-chave do mundo dos espelhos e voltar para casa. Era só isso que ele queria.
Ele entrou no museu correndo, desesperado. Algumas pessoas ainda apreciavam as peças do lugar. Outras já iam embora. Danny correu até a sala de onde ele havia roubado o espelho-chave no mundo real e seu coração despencou. O espelho não estava lá.
- Não, não pode ser! – Disse Danny desesperado – E agora? Onde vou achar esse espelho?
O garoto lembrou-se do pesadelo que tivera. “Você ficará aqui conosco para sempre!”, dizia a criatura perversa. “Esse será o seu castigo por ser tão malvado!”, as palavras ecoavam forte na cabeça dele. Talvez aquilo realmente fosse um castigo por todas as suas maldades, ele pensou.
Então Danny se lembrou do quanto ele era mau. Da forma que ele tratava as pessoas, muitas das quais que queria o bem dele. Lembrou-se das maldades que fazia aos animais, as outras crianças da escola. Lembrou-se que não tinha amigos, justamente por agir daquela forma. Lembrou-se até da babá, Alice, que no mundo real, diferente da Alice sarcástica e debochada do mundo dos espelhos, o tratava tão bem e tinha um cuidado enorme com ele.
E lembrando-se de cada uma dessas coisas, Danny chorou. Chorou muito. Ele chorava e soluçava incontrolavelmente. Se ele tivesse uma chance de fazer diferente, talvez não precisasse passar por aquilo.
- Por que chora garoto?
Danny se virou e deu de cara com o velhote. Ele estava sério, não tinha aquele sorriso enviesado que costumava manter.
- Porque tudo isso é um castigo. – Respondeu Danny, chorando e soluçando – Um castigo por todas as maldades que eu fiz!
- Hum. Você acha?
- Sim. Se eu tivesse escutado o senhor. Se eu não tivesse roubado aquele espelho...
- Bem, às vezes esse é o preço a se pagar pela desobediência, garoto...
- Eu não quero ficar preso nesse mundo. – Danny chorava desesperado – Eu faria qualquer coisa para voltar para o meu mundo!
- Qualquer coisa? – Perguntou o velhote e seus olhinhos miúdos faiscaram daquela forma misteriosa que sempre acontecia.
- Qualquer coisa!
- Como o que, por exemplo?
- Acho que se eu fosse uma pessoa melhor, nada disso estaria acontecendo.
- Então você se tornaria uma pessoa melhor para voltar ao seu mundo? – Perguntou o velho se aproximando de Danny.
- Sim.
- Vejo que você está realmente com vontade de voltar para casa. – Falou o velho e tirou algo do bolso – E acho que precisará disso...
Danny olhou para o velho que lhe estendia um espelho pequeno e quadrado- A chave do mundo dos espelhos. O garoto deu um salto. Não conseguia acreditar no que via. Finalmente poderia voltar para casa.
- Vamos garoto! – Disse o velho empurrando o espelho para Danny – Apresse-se! Se quiser realmente voltar para seu mundo, precisa fazer isso agora mesmo. Você não tem muito tempo.
- Certo. E obrigado, senhor... – Respondeu Danny enxugando as lágrimas e apanhando o espelho em seguida.
Assim que as mãos do garoto tocaram o objeto, “zaz!”. Houve um lampejo seguido de um som estridente e no lugar de Danny estava o reflexo dele, segurando nas mãos um espelho redondo. Ele fitou o velho com extrema curiosidade. O velho fez o mesmo. Em seguida, ambos riram.
- Então quer dizer que você conseguiu? – Perguntou o reflexo.
- Sim. Acho que ele aprendeu a lição. – Respondeu o velhote com aquele sorrisinho maroto – Missão cumprida. Obrigado meu amigo.
- Como você tem certeza de que ele vai se consertar de verdade?
- Ah meu jovem, Shakespeare já dizia que há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia...
O velhote então soltou uma gargalhada satisfeita.
- Você é hilário. – Disse o reflexo colocando o espelho na caixa de vidro – Mas eu gosto de você.
- Pronto para nossa próxima missão? – Perguntou o velho.
- Sim senhor!
E sumiram tão repentinamente quanto apareceram

***

Esse garoto é muito sortudo, hein? E assim termina "A Chave dos Mundos". Gostou? Então dá aquela curtida no capítulo e comenta o que achou. Obrigado por doar um pouco do seu tempo lendo esse Conto. Em breve tem mais. Abraços! :)

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