O Diário de Sete

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Já fazem duas semanas depois do bilhete de despedida de Clara.
E ela realmente não voltou – sim, parte de mim torceu para que isso acontecesse – e sequer falou comigo.
Eu cheguei ao ponto de deixar um recado na secretária eletrônica dizendo que a amava e pedindo para que retornasse minhas ligações. Mas foi em vão.
Mas eu não poderia culpá-la. Sou um cara difícil de lidar.
Você deve estar imaginando o que nos faz tão diferentes um do outro. Bom...

Clara tem 21 anos, cursa faculdade, fala três idiomas, é voluntária em diversos projetos sociais, tem um apartamento só pra ela, uma moto e um futuro promissor como bióloga.
Ela tem vários hobbies, e faz tudo com uma maestria incrível!
Ela ama se exercitar e viajar... Já ganhou diversos concursos. É o orgulho da família.

E eu? Tenho 23 anos, estou desempregado, minha faculdade de filosofia está trancada, falo inglês ridiculamente mal e moro com meus pais – sim, eu moro com meus pais –.
A coisa mais atlética que faço é me ajoelhar para amarrar os cadarços do tênis.
Não tenho nada a mostrar. Nenhum hobbie, ou algo que me faça trazer um troféu para casa.
Meus familiares não falam de mim para os amigos. Não contam minhas proezas por aí.

É difícil pensar nisso. De todas as pessoas que eu conheço, sou o único fracassado.
A única coisa que me fez reviver, e voltar a sonhar...era ela. E agora, tudo tinha voltado a ser como antes.

Quando acordei esta manhã, minha cabeça pesava.
Pude ouvir os costumeiros ruídos noturnos da rua. A luz estava apagada. Na verdade, todas as luzes estavam apagadas. Eram cinco horas da manhã.
Pensei em chamar por ela, mesmo sabendo que ela não estava ali.
Escorreguei para fora da cama. Meus pés tocaram o chão gelado, e meus olhos se encheram de lágrimas.
Eu não sei como explicar o que senti. Mas era um vazio... Eu estava perdido, não sabia qual o próximo passo a dar.

— "Você deve superar, Sete."

É o que todos dizem. Mas tem idéia de como isso é difícil?
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, pude senti-las, pesadas. Mas não soltei nenhum ruído – nada de choros, soluços ou peito arfante. Eram apenas lágrimas. Fiquei parado ali, até que amanhecesse.
Eu queria ter a visto partir. Queria lhe pedir pra ficar. Sei que, de qualquer forma, palavras e ações seriam supérfluas. Mas eu não conseguia entender.
O sorriso dela, e os momentos não saíam da minha mente.

As coisas com ela eram incrivelmente simples. Clara gostava de coisas – como posso dizer? – meio bobas.
Gostava de fazer truques com cartas, de refresco de amora e de bandas desconhecidas. Amava ler, chorava com filmes de humor e ria com filmes de romance. Podia fazer uma boa imitação de Homer Simpson e do Tio Patinhas, se bem que suas versões de Mickey e Bob Esponja eram mais engraçadas.
Mas acima de tudo, Clara gostava de cantar. Adorava fechar os olhos, me abraçar e desaparecer.

Nosso relacionamento ainda estava naquele estágio inicial, quando tudo é novidade. Quando aquele amor nos faz sentir como é maravilhoso estarmos vivos. Quando jamais nos cansamos um do outro e sentimos aquele delicioso friozinho no estômago ao atravessar o parque correndo para um encontro.
É aquele amor que todos sabem, que logo se transforma em algo mais profundo.
Só havia me apaixonado uma vez antes. No colegial. E isso já fazia um bocado de tempo. E não era nada perto disso.

Agora aqui estou eu. Parado sob a cama, enquanto uma réplica de Mestre Yoda me observava do alto da estante de livros.
Droga... Ela amava aquela réplica.

— Você não entende né Yoda? Claro que não.

Virei-me para o outro lado, e me deparei com a fotografia que ainda estava lá.
Eu não entendo, ela é meu karma; Quanto mais tento fugir, mais a acho.
E graças a isso, hoje terei mais um dia improdutivo. Ficarei estagnado nessa cama.
Dizem que o amor é um sentimento maduro demais para ferir alguém. E isso me faz pensar...era amor?