Capítulo vinte e sete

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  O ambiente do pátio externo do restaurante era festivo, apesar das toalhas negras sobre as mesas e dos enfeites de centro formados por rosas mortais ressecadas. Beth ficou impressionada pela forma com Herry e Abby haviam conseguido o equilíbrio perfeito entre o gótico e o elegante para celebrar seu casamento. Iluminada por luzes de velas que se refletiam no tapete de neblina que cobria o piso do terraço, a noite brilhava num tom sobrenatural. Garçons circulavam, as bandejas cheias de salgadinhos. Os convidados pediam bebidas em dois lindos bares de mogno, construídos de maneira a se parecerem com caixões. Talvez fossem reais. Se fossem, Beth esperava que fossem novos.

    De Jeans, tênis e camiseta negra, Harry Styles lançou à esposa um olhar de adoração, e o coração de Beth bateu com uma mistura de inveja e alegria. Ao lado dela, o pai resmungou:

- Esta é a festa de casamento mais estranha que já vi.- Olhou com desconfiança para a máquina de produzir neblina cuidadosamente escondida antes de observar a roupa da noiva.

    As longas luvas negras de Abby lhe cobriam o braço até os cotovelos e combinavam com o vestido também negro, de corpete justo, e uma saia rodada que varria o piso numa mistura de brilho vitoriano e atitude gótica. Beth sorriu, divertida.

- Obrigada por  vir comigo, pai.- Segurou a alça da bolsa prateada de noite e passou uma das mãos sobre o vestido longo de cetim da cor da meia-noite. Não era sua escolha natural, mas os anfitriões haviam pedido a todos que usassem negro. Pelo menos a cor combinava com seu humor.- Detestei o pensamento de vir sozinha.

- É... - O pai deixou escapar um som constrangido e mexeu os pés.- Bem ....- Calou-se, e o sorriso de Beth se tornou mais caloroso.

-Não se preocupe, não vou começar a chorar de novo.

    O pai lhe lançou um olhar apavorado.

-Por favor, não comece.

    Beth quase riu. Havia brincado e usado seu charme no último programa, mas, quando terminou, havia desmoronado, e o pai dela mal conseguiu sobreviver à tempestade de lágrimas. Finalmente ela compreendeu que o pai não sabia lidar com uma mulher em prantos, uma coisa que não sabia até então. Jamais seria o pai perfeito, pronto para um abraço compreensivo, um sorriso solidário e palavras gentis de consolo e sabedoria. Mas, então, ela também não era a filha perfeita. No entanto, ali estava ele, apoiando-a do seu jeito. E por isso estava profundamente grata. Porque em algum momento Niall apareceria na festa.

     A ansiedade cresceu. Se algum dia decidisse ter outro namorado - dentro de um milhão de anos - escolheria com muito cuidado e seriedade. Tanto pelo próprio bem como o bem do homem. Niall podiam ter se protegido ao erguer barreiras, mas, além de Beth, ele pelo menos não havia magoado ninguém. Enquanto ela deixara uma trilha de namorados infelizes em seu rastro. Todos eles mereciam mais do que suas tentativas patéticas de se unir a homens que não tinham esperança de lhe capturar o coração.

    Quando viu Niall andando em sua direção, o dito coração quase parou e ela estendeu a mão para se apoiar no encosto de uma cadeira próxima. Depois de alguns segundos em que quase desmaiou, conseguiu se controlar. O pai olhou para Niall e depois para ela, a expressão preocupada.

-Quer que eu fique?- Parecia ter a esperança de que ela dissesse "não". - Ou quer que vá lhe buscar uma bebida?

    Ficou tentada a mantê-lo perto como um escudo. Mas fizera um acordo consigo mesma: não haveria mais fuga, nada de evitar situações difíceis ou penosas. Lançou ao pai um sorriso tranquilo.

- Uma bebida, por favor.- Respirou profundamente, enrijeceu os ombros e encontrou o olhar de Niall, que abria caminho entre a multidão em sua direção. - Vou precisar de uma.

    O pai se afastou em direção ao bar em formato de caixão e lançou a Niall um olhar preocupado. Niall parou a quase um metro de distância dela. Num impecável terno negro, parecia tão bonito e intimidador como sempre - cada músculo preparado, pronto para a batalha, os frios olhos azuis fixos no rosto dela. Mas, dessa vez, o cabelo estava desalinhado, como se tivesse se passado uma mão impaciente por ele muitas vezes. Um breve brilho de incerteza lhe iluminou o rosto e então desapareceu, substituído pela expressão determinada de sempre.

    Ela precisou de alguns momentos para sossegar o coração. A presença dele lhe abalara a confiança em si mesma, assim, precisou fingir até recuperá-la completamente.

- Quero lhe contar que conversei com Harry e chegamos a um acordo. - As palavras eram cuidadosas e os olhos, vigilantes. Parecia não ter certeza de qual seria a reação dela. - Elaboramos um plano de trabalho que me dá tempo para fazer consultoria para o FBI.

    Ela se recusou a mostrar entusiasmo.

-Fico contente de saber.

    Nenhum dos dois mencionou as últimas e duras palavras de separação, mas o fantasma delas pesava no ar. Os olhos dele prenderam os dela e o foco determinado, o senso de propósito que emanava do rosto dele fez o coração dela disparar. Houve uma pausa cheia de tensão.

-Queria também lhe dar os parabéns por sua nova série. Como conseguiu que sua chefe concordasse com seus planos para a coluna?

-Não dormi com ela, se é isso que está sugerindo. 

    Um pequeno sorriso apareceu, mais triste do que divertido.

-Não estou.

-Contei tudo a ela e então lhe entreguei uma matéria sobre Thad e Marcus que a deixou gritando de entusiasmo.

     O tom mostrou exatamente como estava contente.

-Bom para você.

-É. - E, para enfatizar sua indiferença, ergueu mais o queixo. -Sou a melhor. - Palavras espertas. Mas o que queria no momento era partir, o que lhe parecia o melhor dos planos. Sentira falta dele, sofrera por ele, mas sua presença também despertava outras e mais dolorosas emoções além do anseio. E então a confusão e a mágoa predominaram e ela tentou se afastar.

-Bem... - Sentia-se desajeitada.- Preciso encontrar meu pai. - Virou-se.

    Ele colocou a mão no braço dela para impedi-la de sair, o toque acionando todo tipo de alarme no corpo dela.

- Não devia tê-la insultado. - Havia arrependimento sincero e profundo na voz e nos olhos dele. - Desculpe.

    Beth ignorou a sensação dos dedos na pele e inspirou com força. A tensão gelada havia sido superada e estava contente. O pedido de desculpas não compensava a dor que a falta de confiança nela causara, mas amenizou um pouco.

-Não devia ter batido em você. - Deu de ombros de leve. -Foi uma reação impulsiva.

-Eu mereci.

     Oh, Deus do céu, era o Niall afável do primeiro programa. Aquele com quem era tão difícil discutir. Aquele que sabia como lidar com ela até conseguir exatamente o que queria, fosse irritação, a confissão de suas dúvidas mais profundas ou uma entrega sensual. A pergunta era, o que ele queria agora?

-Niall. - Ela suspirou e afastou o braço dos dedos dele. - Acho que já dissemos tudo oque havia a dizer. -Por exemplo, que a amava, mas não confiava nela. E não era assim que queria ser amada. A dor aumentou.

-Ainda não terminei. Queria lhe dizer que passei a última semana aperfeiçoando meu novo app.

    Ela franziu a testa, confusa.   

- Não me importo com...

- Casa comigo?

    Ela inspirou com força, sentindo o golpe, e o estômago embrulhou. Olhou para ele e tentou esconder o enfraquecimento da decisão.

Paixão em Chamas |N.H|Onde histórias criam vida. Descubra agora