Capítulo 5

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     Ainda restava um pouco da luz do dia no céu. Raquel não estava nem um pouco afim de voltar para casa, não agora. Sentada no banco da pracinha à duas quadras de sua casa, ligou o celular.
   Graças a Marina o seu celular estava com um pouco de carga. Xecou as suas mensagens recebidas e suas chamadas perdidas. Não se surpreendeu com umas mil e tantas ligações de sua mãe. Umas quinhentas e tantas ligações de Lia mais umas dez mensagens dela dizendo para atender o telefone, para saber se ainda estava viva e ia dar queixa do seu desaparecimento para a polícia se não a respondesse.
   Sorriu com as mensagens desesperadas de Lia. Mandou uma mensagem rapidamente para ela dizendo estar bem.
   Havia só umas cinco ligações de Marina.
   Quando saiu pela aquela porta deixando Marina para trás, Raquel se  imaginou já na metade do caminho, ouviria Marina gritar o seu nome pedido para esperar, viraria para trás e veria Marina correndo em sua direção, a tomaria em seus braços e diria:
   "Fica, não vá embora!" depois a beijaria.
   Andando, não olhou para trás para não estragar a surpresa, a qualquer momento Marina a chamaria. Mas não, ela não gritou o seu nome e nem veio atrás dela...
   Nunca vem.
   Seu telefone toca.
   Achou que era Lia ligando, mas não era.
   Sorriu ao ler o seu nome na tela do celular.
   _Oi -disse.
   _Oi... você chegou bem em casa? -pergunta Marina.
   _Hum... eu ainda não fui para casa.
   _Por quê?
   _Eu estou esperando Lia chegar, tenho que pegar umas coisas com ela... -mentiu.
   _E o seu gato? Deve estar desesperado com fome.
   _A minha mãe já deu comida para ele -mentiu de novo. Não queria saber se Marina acreditava ou não.
   Depois de uma pausa respirou fundo fechando os olhos, enchia se de coragem.
   Continuou.
   _Sabe quando você vai embora? -não deixou Marina responder- leva contigo um pedaço meu. Dói... é como se fosse arrancado de mim... acho que é a minha sanidade. -sorria sem graça.
   Marina sorri aliviada.
   _Sabe quando você foi embora hoje? Você levou tudo o que eu tinha... sem você, eu não tenho nada.
   _Hahaha... -Raquel ri debochada- que coisa mais brega!
   Marina sorri.
   _É, é muito brega... mas o amor é brega e eu te amo.
   Raquel fingiu não ouvir esta última frase. Suas bochechas doíam como seu sorriso idiota na cara.
   Não sabia se o que Marina dissera era verdade ou não, mas preferiu acreditar por hora.

   Os dias foram se passando e mais uma vez tudo estava bem entre as duas, sem brigas.
   Raquel vivia intensamente a cada dia ao lado de Marina como se fosse o último. Não sabia até quando esta calmaria ia durar. Era sempre assim,  quando tudo estava indo bem entre elas, sempre acontecia alguma coisa de errado para atrapalhar.
   Raquel sempre ficava com um pé atrás.
   Marina a fez prometer não beber e nem usar mais drogas, por isso, evitava sair com seus amigos para evitar ter uma recaída.
   Não precisava se esforçar para não usar, não tinha motivos para se drogar, mas sempre deixava uma guardada dentro de uma meia velha, sem par, lá no fundo da última gaveta do seu guarda-roupa para no caso de precisar com urgência.
   Precisava estar preparada se caso a tempestade voltasse.
   E voltou.
   Depois de alguns dias, Marina ligou para Raquel avisando que teria que trabalhar e que não a veria naqueles próximos dias. Raquel não gostou muito mas se conformou, pelo menos Marina a avisou antes de sumir, já era um grande avanço.
   Neste dias sem Marina, sem nada pra fazer, Raquel aceitou o convite de Lia para irem fazer compras no centro, queria alguma coisa especial para usar com o seu novo namorado.
   No dia marcado, Raquel acordou cedo e com uma disposição de dar inveja a muita gente. Se estranhou, a muito tempo ela não acordava cedo e se acordava, não era de bom humor.
   Olhava se no espelho do seu guarda-roupa. Estava mais encorpada e corada, graças a Marina que insistia para Raquel acompanha-la nas suas caminhadas matinais e pegava no seu pé para que tivesse uma boa alimentação.
   Aquela Raquel esquelética, pálida parecendo um panda com grandes olheiras, não existia mais.
   Dentro do ônibus, Lia e Raquel cantavam músicas juntas, riam... como nos velhos tempos.
   Raquel sentada na janela e Lia ao seu lado, na beirada, dividiam o mesmo fone de ouvido, brigavam para escolher a próxima música.
   _Sai! Agora é a minha vez -diz Lia tirando o Ipod das mãos de Raquel.
   Enquanto Lia mudava as músicas freneticamente até achar uma música que gostasse, Raquel virou se para olhar pela janela do ônibus.
   Ela viu tudo acontecer em câmera lenta.
   Ao olhar pela janela, enquanto o ônibus fazia uma curva, aos poucos Marina entrava em foco no seu campo de visão. Podia sentir o seu sorriso se desmanchando assim que se aproximava dela.
   Marina e uma outra mulher andavam abraçadas. Conhecia a outra mulher, uma ex de Marina, Valeria, bom, não parecia ser tão ex assim.
   Seus olhares se cruzaram.
   Marina viu que Raquel as viu abraçadas, balançou a cabeça como se dissesse:
   "Desculpe, não era para você ver."
   Lia falava alguma coisa sobre a música que começava a tocar, não viu o que Raquel acabara de ver.
   Desacreditada no que acabara de ver, Raquel começou a rir. Mil coisas se passava pela sua cabeça.
   Queria descer naquele momento,  voltar lá e aprontar o maior barraco. Sentia se traída, Marina a traía, agora entendia os seus sumidos repentinos, agora tinha certeza.
   Sentia se idiota por se deixar levar pela conversa de Marina que dizia ser da sua cabeça, que enxergava coisas aonde não tinha... Raquel estava certa todo este tempo, embora não tivesse provas, mas agora tudo fazia sentido.
   Desejou que o ônibus batesse a toda velocidade ou queria pular na frente de um trem em movimento, talvez com o impacto desse para arrancar esta dor que estava sentindo naquele momento.
   _Ei, o que você tem? -perguntou Lia enquanto andavam de loja em loja- está calada.
   Raquel sorriu forçada.
   _Só estou cansada, não acostumei a acordar cedo.
   _Hum... olha este aqui, o que acha? -perguntou apontando para um conjunto de colar e brincos banhados a ouro com pedras coloridas que estava na vitrine.
   Raquel não gostava desses tipos de coisas, eram grandes, chamativos... a cara de Lia.
   _É, legal -disse sem muito entusiasmo.
   Lia já estava lá dentro.
   Toda vez que a imagem de Marina abraçada com, até então, a sua ex vinha a sua mente, Raquel sentia vontade chorar de raiva, socar alguma coisa, mas contava até dez. Se segurava, não queria que Lia a visse daquele jeito,  não queria ter que se explicar, queria só sumir dali.
   Aquele era o seu déscimo primeiro namoro "sério " e Lia sentia que dessa vez era pra valer, ela sentiu isto com todos os outros dez. Não duraram nem três meses direito, mas Lia estava feliz com ele e Raquel não queria dar motivos para se chatear com qualquer coisa. Hoje era o dia dela, então, Raquel ia fazê-la feliz, embora estivesse tudo despedaçada por dentro.
   Um pouco depois do almoço, as duas já estavam de volta, Raquel deixou Lia em sua casa e foi para a sua torcendo para que sua mãe não estivesse em casa.
   Quando chegou em casa, de fato não tinha ninguém, mas, não se desmanchou em lágrimas como pretendia, até tentou chorar, mas não consegui.
   Raquel, a diferentona.
   Enquanto pessoas normais lamentavam as perdas de entes queridos por dias, Raquel não. Poderia até sentir a sua falta, mas achava que se não chorasse naquela hora,  não adiantaria chorar mais. E Raquel odeia expressar as suas emoções perto de outras pessoas, deixa para expressar se quando estiver sozinha, mas, quando já está só, a sua vontade passa.
   Já se pegou querendo chorar dias depois da morte de um de seus gatos que morrera atropelado perto do seus pés. Disse para si mesma:
   "Não. Não adianta mais, se não chorou antes, não vá chorar agora!"
   Respirava fundo e ia fazer o que tinha que fazer.
   Sentada em sua cama, olhava para o guarda-roupa, a última gaveta... precisava urgentemente.
   Seu celular vibra.
   O coração dispara. Por um minuto pensou ser Marina mandando uma mensagem para se desculpar ou se explicar. Mas não era.
   Mensagem da sua operadora dizendo para adquirir um novo pacote promocional.
   Com raiva, tacou o celular lá longe. Por sorte não quebrou. Pegou o desculpando se colocando o ao lado do travesseiro.
   Deitou se para tentar dormir, não conseguiu. Encarava o teto.
   Seu gato miava, o chamou mas ele não veio. Sentiu se mal por até o seu gato não querer saber dela.
   Duas horas depois, Raquel continuava na mesma posição de antes. Sua mente girava indo e vindo a todo vapor. Demorou um pouco até perceber que a campainha estava tocando. Não parava.
   Levantando com dificuldade, Raquel não queria atender mas a julgar pela insistência, poderia ser alguma coisa importante.
   Pensou que poderia ser Marina, verificou o seu celular para ver se havia alguma chamada perdida, olhou as horas. Não poderia ser, ela ainda estava trabalhando a essa hora,  se é que estava trabalhando mesmo.
   Poderia ter acontecido alguma coisa com a sua mãe, afinal, desde cedo que não tinha notícias dela.
   Se arrastou escada abaixo, a campainha tocava irritantemente.
   _Já vai! -gritou Raquel irritada.
   Olhou pelo olho mágico.
   Arrepiou se dando dois passo para trás. O frio na barriga se espalhando pelo corpo todo. O coração disparou.
   Marina tocava a campainha insistentemente.
   Raquel tentou se acalmar, respirar fundo... contou até dez antes de abrir abri porta.

NÃO É A MINHA CULPA SER ASSIM!!!  (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora