Enter Sandman

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Meu inimigo noturno não era o Sandman (João Pestana, em luzitanês), era só um sádico, pedófilo, demente, supernatural, extremamente covarde e inconveniente. Na época era apenas absurdamente aterrorizante, a ponto de eu mijar na cama, acordado, só por medo de trombar ele no corredor entre meu quarto e o banheiro. Dizem que todo herói precisa de um grande vilão, mas definitivamente, não sou um herói.

Lembro bem de nosso primeiro encontro. Não só do primeiro, lembro de todos. No sonho eu estava na minha antiga escola, ainda no pré-primário (que realmente frequentava na época). Era uma daquelas escolas de bairro, com várias salas, paredes pintadas de verde musgo, adornadas com bichinhos fofinhos e coloridos, piso de azulejos vermelho telha e aquelas antigas carteiras de madeira vernizada, mas não pintada, nas quais várias mesas e cadeiras eram grudadas umas nas outras, para evitar que a criançada anarquizasse demais. Estávamos em "aula", que era "a tia" soando aquele "blablabla blablabla", idêntico aos adultos em um desenho do bom e velho Charlie Brown, enquanto todas as outras crianças faziam nada de maneira aleatória, como figurantes em um cenário vagabundo. Então aconteceu.

Um de meus "amigos", que não lembro o nome, apesar dele ser a representação de um colega real, mas creio que chamava Diego (bom, decreto que agora ele assim o chamará), entra correndo de maneira escandalosa, tropeçando em tudo (sim, meus sonhos eram bem animados... a cores... 3D... surround 7.1... e alguns até tinham cheiro, sabor e todos os sentidos) e gritando de maneira efusiva, "corre que o Dadada tá vindo".

Nota de esclarecimento: Da-Da-Da era o nome de uma música de um grupo chamado Trio. Não sei qual é dessa banda, apenas ouvi essa música e achei a coisa mais ridícula do mundo. Acontece que meus pais, sei lá por que caralhos, insistiam em colocar um disco dessa patota áudio-circense, com a referida faixa, para eu escutar quando era muito novo. Com certeza meu subconsciente, em um acesso sadomasoquista, batizou meu nêmese com o nome dessa música, de lançamento contemporâneo a seu surgimento.

Independentemente de sua gênese, o desgraçado estava vindo e, como em todo bom sonho, eu ficava cada vez mais pesado e inerte, quase pregado naquele piso vermelho, vendo o mundo ficar mais alto ao meu redor e nada, que eu queria, acontecendo.

Sim, meu sonho foi quase uma releitura de Tubarão, onde o maior inimigo é o suspense, não o digno predador marinho. Mas, ao contrário do filme do Spielberg, o "monstro" (o Dadada, não o peixe) apareceu em pouco tempo. A única maneira eficaz de descrever aquilo é com um "puta que pariu", pois ele não precisou fazer nada para eu saber quem era, o que queria, como conseguiria e que me daria muito trabalho, apesar de ainda não ter noção do quanto.

Para resumir o Dadada: Ele era um adulto bem grande e forte, apesar de ser velho. Tinha uma pele pálida, ligeiramente amarelada e sua marca era a cabeça afunilada para os lados, parecendo o formato de uma bola de futebol americano, mas pontuda. O objetivo existencial de tal ser era perseguir crianças mordendo seus pés.

É uma descrição idiota e um objetivo idiota, mas tenham em mente que se tratava de um ser idiota... "criado pela mente de um idiota", pensou você, com seu humor ácido. Não julgue assim tão fácil. O Dadada sempre foi compatível com minha idade e experiência de vida. Por exemplo, ele só conseguiu realmente me morder depois que eu tomei a primeira mordida real. Foi exatamente naquele ano, ainda no Pré 2, de uma menina que muitos anos depois se tornou uma boa amiga, mas na época estava em sua fase de morder e nada podia ser feito em relação a isso. O ponto relevante aqui, porém, não é ela me morder e sim que a mordida de meu inimigo doeu um bocado mais. Mas, muito mesmo! Minha cabeça conseguiu pegar um sentimento real e o materializar em sonho. E a evolução continuou. No início ele era quase um inimigo de Super Sentai, mas com o tempo se tornou um carniceiro muito eficiente. O pavor durante os sonhos era tão intenso que eu acordava berrando, suado e chorando só dele conseguir chegar perto de mim. Nossa interação era totalmente sugestiva e eu não precisava ser mordido, ou sequer pego, para ficar aterrorizado. Eu via meus amigos, parentes e familiares serem estraçalhados com grandes requintes de crueldade, noite após noite. Ele chegou até a matar minha cadela na correia de um motor automotivo e a cena foi tão real que não esqueci dela nunca mais. Mesmo no dia que essa minha cadela sumiu (quando cães fogem de casa para morrerem longe da "matilha"), eu já tinha meus dez anos, ainda pensei nele e fiquei legitimamente com medo dela ter morrido com tal sofrimento. Infelizmente nunca mais a encontramos.

Mas, tudo tem um fim. O Dadada evoluiu conforme minhas experiências de vida, mas eu também evolui, à minha maneira. Para explicar isso eu conto um pouco da minha história de vida e também experiências sobrenaturais, que são o motivo pelo qual você está lendo até aqui.

Paracomeçar a explicar minha vida sobrenatural é melhor não começar pelo começo,mas sim por um episódio que, coincidentemente, é contemporâneo ao surgimento doDadada.=[T

Noites sem sonhos & sonhos acordadosOnde histórias criam vida. Descubra agora