Entre meus quatro e doze anos de idade a minha experiência com o sobrenatural só se intensificou. Mais vozes, mais visões, mais pesadelos e cada vez menos coragem. Mas ela teve começo e fim.
Era comum eu escutar vozes no meu quarto durante a alta noite, especialmente quando acordava de madrugada. Obviamente não dá para separar tão bem o que era sonho ou poderia ser real, mas existiram dois momentos, sobre esse episódio, onde eu tenho certeza que foram reais. O primeiro foi ser chutado na escada, aos quatro anos. O segundo foi uma noite onde uma maldita voz ficava sussurrando meu nome, ao lado de minha cama. Isso era muito comum durante os anos, só que especificamente nesse dia meu sentimento não foi medo e sim aborrecimento.
Um pouco de reflexão sobre a questão do "medo" com o "aborrecimento". O medo é um sentimento sempre relacionado ao desconhecimento. Se não conhecemos algo o temeremos de alguma maneira. Se o temor for grande acaba virando medo. O aborrecimento, porém, sempre foi, no meu caso, um sentimento decorrente em exatamente todas essas situações. Me aborrecia a maneira que essa entidade, ou seja lá como você queira chamar, me tratava. Experimenta ficar cornetando a vida de uma pessoa! Experimenta toda noite ficar falando na orelha de quem quer dormir! Experimenta chutar as costas de alguém, especialmente quando esse está descendo uma escada tosca! Dizer que isso tudo me aborrecia é um puta eufemismo. Nada disso "me aborrecia", isso tudo me deixava puto pra caralho. Mas eu ia ficar bravinho com quem? Com uma voz sem rosto? Com alguém que me chuta mas não tenho como revidar?
Isso acabou em menos de meio segundo, estimo. Eu estava deitado de lado, virado para a parede encostada na esquerdo da cama. A voz chamou meu nome algumas vezes, não contei, suponho que entre quatro e cinco. Pedi, sem o mínimo polimento, "cala a boca e me deixa dormir", então me chamou mais uma. Como eu falei, a academia do Batarelli era muito boa. Em um movimento muito rápido (modéstia à parte, fui rápido mesmo) girei meu corpo da esquerda para direita acertando um soco rodado de destra no meio da fuça de alguém. E, sim, depois de mais de ano de Full Contact eu já reconhecia exatamente como era acertar uma de destra no meio da fuça de alguém. Quando olhei para o espaço ao lado de minha cama ele estava vazio. Voltei a dormir e quando acordei minha mão direita estava levemente inchada, como deveria ficar caso acertasse um soco desse em alguém.
Ao lado direito de minha cama não tinha nada que eu pudesse acertar sem querer enquanto dormia, não foi parede, móvel e nem algum familiar, então tudo me leva a crer que não foi um sonho. Após esse dia duas coisas aconteceram. Primeiro eu nunca mais ouvi vozes. Segundo eu nunca mais sonhei com o Dadada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Noites sem sonhos & sonhos acordados
Non-FictionDurante uma parte de minha vida, de minha remota infância até pouco antes dos meus trinta anos, acumulei uma boa bagagem de experiências que considero sobrenaturais. Nesse texto falarei sobre uma delas. Não é a que mais me marcou ou impressionante...