*14*

19 2 0
                                    

Sinto em todo o meu corpo e espírito, hesitação e dúvida. Nada é nem pode ser positivo. É o que sinto ao ver este ambiente que tão depressa se transformou. A chegada de James trouxe um sopro pesado, um sopro de segredo, um sopro de confusão. Parece que fui atingida com um livro de mil páginas, cheio de segredos, amores perdidos, ciúmes, morte. Não consigo explicar. O James senta-se sem abrir a boca. Sinto a conversa entre eles, apenas na troca de olhares. Realmente, têm uma cumplicidade que nunca vi em ninguém. Parece ser uma brincadeira ou um jogo entre eles, o jogo de "Vamos deixá-la louca". Sei lá. Já não sei o que digo e já nem digo o que sei. Alguém me leva para Marte?

"Kate preciso falar contigo..." – Diz James, com o ar mais estranho que vi desde que o conheço.

"Talvez seja melhor deixar-vos sozinhos. Kate, o nosso almoço pode ficar para outro dia." – Respondo enquanto me levanto da cadeira. Sinto que estou a mais.

"Não vás Marta, então? A sério, fica por favor." – Diz-me a Kate com uma voz de quem está a falar com uma criança. Estou possessa com este ambiente e ainda mais com a postura deste tipo. Tenho uma vontade enorme de me atirar ao pescoço dele. Que raiva!

"Não Kate, não tem importância. Aliás, a cara do James diz tudo. E já agora, se estiverem de acordo, as reuniões da tarde ficam por minha conta. Assim ficam mais à vontade. Com a vossa licença, fiquem bem. Falamos mais tarde. Podem ficar à vontade." – Saio disparada da mesa, sem sequer olhar para trás. Ouço os murmúrios de ambos enquanto me afasto. Sinto-me tão humilhada. Oh Deus, que mal fiz eu para merecer este castigo? Ok Deus, desculpa, não ligues, estou a descarregar em ti.

A tarde passa devagar. Nenhum dos dois apareceu nas reuniões. Claro! Precisavam de pôr o sexo em dia... Acabo a última reunião já tarde. Um dia em cheio. A história da suposta irmã, a mãe debilitada psicologicamente, a socialite que caiu do céu com saltos de 2 metros e aquele parvo. Eu não sou assim, derrotada, acabada. Sou uma mulher de força, uma tempestade, por isso, vamos lá à luta.

São oito da noite. Vou ao escritório. Estou estafada, é verdade, mas parece que acabo de beber um copo de água de rejuvenescimento. Tal como era de esperar, já não está ninguém no escritório, o que me deixa aliviada. Preciso resolver uns assuntos e sozinha é melhor. Entro no gabinete, ligo o computador. Envio vários emails para a Soraia, respondo a outros tantos. Envio o resumo das reuniões ao senhor estúpido e parvo para não ter de falar pessoalmente com ele e para que ele não tenha razões para falar comigo. Perco-me nas horas e no trabalho e quando dou por mim, já passa da meia-noite. Decido ir para casa. Por hoje já chega. Por incrível que pareça, nestas últimas horas, consegui não pensar no molho de brócolos em que se transformou a minha vida. Esta é a solução. Trabalhar, trabalhar, trabalhar. Se estiver sempre a trabalhar, não me perco em lamúrias ou cenas tristes ou homens bons ou falta de sexo.

***

A quinta e sexta-feira passam a correr. Estive tão absorvida pelo trabalho, que nem dei conta. Acho que estive em "piloto automático" estes últimos dois dias. Aquela sensação de solidão e de tristeza desaparecem com o volume de trabalho. Ou pelo menos eu quero acreditar que sim. Tenho o meu trabalho organizado e a empresa continua a laborar. Não tive qualquer contacto com o Shrek e a Fiona desde que os deixei no restaurante na quarta-feira. Não sei o que está a acontecer nem que raio de tempestade está para chegar, mas também não vou pensar nisso agora. Vou gozar o meu fim-de-semana. Despeço-me da Soraia que parece estar de saída para um fim-de-semana romântico. As coisas com o William devem estar a correr bem, pela cara dela. Nem perguntei. Neste momento não quero ouvir histórias de amor, com corações e florzinhas. Nem falei com o André. Sou mesmo uma amiga desnaturada. Oh que se lixe. Falo com eles para a semana. Agora vou descansar. Desço ao estacionamento, coloco a pasta na mala do carro e saio em direcção a casa. Sinto uma vontade enorme de estar sozinha, no meu canto, com um bom copo de vinho e um bom som. Amanhã talvez almoce com a minha mãe. Logo penso nisso. Depende do meu estado de espírito.

Corações InquietosOnde histórias criam vida. Descubra agora