O Caçador

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"- Eu sei quem você é. Não é mesmo, Cabe?"

Essa frase martelava no canto oculto de meu cérebro. Eu devia ter deixado que ela lembrasse quem sou? Talvez pudéssemos fugir, ficar juntos para sempre. Mas para onde? Não existe mais lugar seguro. Somos vigiados e "controlados" a todo instante.

Aos poucos fui deixando ser levado pelas belas memórias que ainda restavam. Havia em mim dois lados: o bom, que ela havia desenterrado e o mal, que lutava a todo instante para se revelar novamente e me controlar para matá-la e dar um fim a isso tudo.

Entrei na primeira porta à direita no fim do corredor. Estava exausto e, ao fechar a porta atrás de mim, acendi o pequeno abajur que ficava ao lado da cama e me deitei sob o fino colchão, mergulhando no imenso rio de lembranças que me afogava aos poucos.

O vento assoviava em meus ouvidos. Eu me deslocava rapidamente, todo o peso que carregava em meus braços não pareciam nada. Seus cabelos castanhos eram esvoaçados pelo vento, seu rosto tomava uma expressão suave enquanto dormia, seus lábios sangravam e aos poucos se escureciam.

- Senhor, é melhor pararmos. Já está quase escurecendo e não chegaremos à colina a tempo.

- Eu sei um lugar próximo às colinas para descansarmos essa noite.

A garota que levava em meus braços era a causa disso tudo. O bando inimigo de Steven Kingstom viria novamente mais cedo ou mais tarde. Meu chefe, Robert, foi traído pela esposa que criou uma criança que agora já é crescida e pelo filho que luta contra o controle do pai.

Eu não a culpo por querer ter uma vida melhor que essa que nos foi dada. E depois de todo esse tempo juntos, aprendi a fazer aquilo que pode ser considerado um crime: amar.

Finalmente, após horas de caminhada paramos em uma casinha abandonada parecida com a cabana em que a encontrei. Acendemos uma pequena fogueira para aquecer o interior da casa que era feita de barro e devido a todo o tempo e à ação natural, paredes e telhados já não existiam mais. Trepadeiras se apossavam de todos os locais visíveis. Deixe-a sob um colchão velho perto da pequena fogueira. Deixei o mapa que estudava de lado e fui alimentar o fogo que tentava aos poucos vencer o frio. Senti algo apertar levemente meu braço.

- Dormi por muito tempo?

- Sim, bela adormecida. – Eu ri.

- Quando chegaremos lá?

Ela se sentou no chão ao meu lado começou a se aquecer.

- Amanhã de manhã.

A puxei para mais perto e a abracei, fazendo-a deitar em meu ombro. Ela esticou o pescoço para me olhar nos olhos.

- Você anda muito estranho ultimamente. Parece estar escondendo algo...

- Estou apenas cansado.

Me apressei em responder. Não poderia deixar que desconfiasse então, me deitei ali no chão mesmo e dormi, encerrando a conversa.

A noite não foi tão surpreendente, os mesmos pesadelos se repetiram. Estava sentado no chão dentro da cabana em que estávamos agora ouvindo os gritos vindos do lado de fora. Ela era levada por homens mascarados, mas eu não podia fazer nada. Minhas mãos e pés estavam amarradas e quanto mais eu me movia, mais ela gritava.

- Calleb, acorde...

Levantei assustado. Ela passava as mãos em minhas madeixas, me acalmando. Já era dia e os raios de sol vindos de cima, onde um dia fora o telhado, me cegaram. Tínhamos de nos apressarmos. Lavei o rosto no pequeno córrego e comi pão de cevada. Um de meus capangas me chamou ao longe.

- Senhor, Kingstom está se aproximando. Ela não pode vê-lo ou saberá.

Pegamos todas as coisas e destruímos a pequena fogueira para não sermos rastreados. A jornada seria longa, por isso seguimos o curso do córrego até encontrar o riacho no qual ele desaguava para pegar um pouco de água. Reena e eu ficamos para trás enquanto os outros iam na frente para verificar o perímetro.

- Calleb, tenho sentido saudades. Ao mesmo tempo que está aqui, você está longe, entende?

- Eu estou tentando apenas lhe proteger.

- Mas não precisa ficar assim. Se trabalharmos juntos será melhor. Você sabe que é a única coisa que tenho depois que meu irmão se foi.

Aquele jogo sujo estava fazendo que eu acreditasse cada vez menos em minha humanidade.

- Eu te amo, Mareena Morrigam.

- Também te amo, Calleb Blackburn.

Falou enquanto se apoiava em meu ombro para se equilibrar em uma das pernas por ser significantemente menor que eu e me beijou.

Horas se passaram e estávamos quase chegando ao nosso destino. Ao longe, era possível ver a imensa construção de pedra. O portão ainda estava fechado, mas logo se abriria para ela.

- Cabe, é lindo...

Ela sorria e olhava em volta enquanto apertava minha mão entusiasmada. Baixei o olhar para meus tentando esconder minha vergonha e arrependimento. Ainda dava tempo de mudar, mas trato era trato.

- Espere Mare. Preciso lhe dar algo antes, para que nunca se esqueça de mim.

A puxei delicadamente pelo braço e levei a mão ao bolso da calça, tirando o pequeno cordão com uma pedra turquesa e entreguei a ela.

- Você não precisava t...

- Nunca se esqueça de nós.

Fechei sua mão em torno do pequeno colar e ouvi o som seco do portão sendo aberto. Era a hora.

- Espero que não me odeie, Mare...

- O quê?

Me aproximei dela, como se fosse beijá-la e num gesto brusco prendi suas mãos.

- Guardas! Levem a prisioneira daqui! – gritei.

- Calleb! O que está acontecendo? Calleb, me tire daqui! Calleb!

Ela gritava e se debatia tentando se livrar dos guardas que a seguravam.

- Levem-na logo. Está enlouquecendo!

Não poderia deixar que percebessem que eu a conhecia, poderiam matá-la ou me prender por traição. Dei meia volta e continuei andando. Enxuguei as lágrimas sem que vissem e dei uma última olhada para trás. Ela chorava como criança e lutava contra os dois homens que a seguravam e aos poucos foi sumindo de vista. Eu não a culparia se me odiasse.

Robert veio em minha direção cheio de orgulho.

- Bom trabalho. Você provou seu valor.

E me entregou uma capanga cheia de moedas de ouro e uma arma.

- Esse é meu dever, senhor.

E me retirei segurando as lágrimas que insistiam em cair.

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⏰ Última atualização: Sep 10, 2016 ⏰

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