A Primogênita

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A grama cintilava sob o sol da manhã. Isso era tudo o que se podia ver através da janela traseira do orfanato. Tudo estava muito quieto. Me virei para o outro lado da cama e percebi que estava sozinha no quarto. As outras crianças já deviam estar na cozinha tomando o café. Calcei minhas pantufas rosas com bolinhas roxas e caminhei sorrateiramente temendo que o velho assoalho rangesse sob meus pés.

Desci as escadas lentamente para que não acordasse aqueles que ainda dormiam no andar de baixo, mas também não tinha ninguém. Havia uma porta semi-aberta a direita, uma toalha pendurada na maçaneta, provavelmente alguém havia acabado de tomar um banho.

Adentrei devagar no outro quarto, mas estava deserto, assim como os outros cômodos. Uma bacia repleta de água estava ao lado da cama, os lençóis estavam bagunçados e havia um embrulho rosa sobre o criado-mudo.

Me aproximei do móvel, mas um barulho no corredor me assustou então saí rapidamente por onde havia entrado, mas era apenas uma criança brincando de se esconder.

Continuei andando e me deparei com a porta da cozinha escancarada. O bule apitou logo em seguida, seguido de um jato de vapor quente. Corri para a porta dos fundos que estava logo a minha frente e com um baque ela se abriu.

- Surpresa!

Agora tudo fazia sentido. O dia estava maravilhoso. Acima da mesa forrada por um pano branco havia coisas que eu nunca pensei que poderia existir e no centro da mesa, um bolo enorme. Só de ver aquilo tudo senti fome. Eu sorria de orelha a orelha admirada com aquilo tudo, afinal, estávamos enfrentando uma crise financeira desde que as doações diminuíram e ainda assim, eles haviam lembrado de mim.

Cantamos parabéns, comemos, eu recebi mais abraços que uma pop-star e por fim, nos sentamos abaixo da grande árvore do jardim, sob a grama verde. Eu apenas notei a beleza da casa sob a luz projetada pelo sol naquele ângulo que se intercalavam com os tijolos cor de vinho que compunham seu exterior. Ela tinha uma beleza natural. A lareira da sala devia estar acesa ou não havia sido totalmente apagada na noite anterior, porque uma espessa camada de fumaça saía da chaminé.

Assim que o sol começou a esquentar, fomos para a varanda, sentamos no chão ao redor da conselheira chefe que se acomodava em uma cadeira de balanço enquanto se preparava para nos contar uma história.

Havia bebido muita limonada, não aguentaria por mais alguns segundos. Rastejei para fora da roda de crianças tentando não dispersa-las da história e segui para a lateral da casa, onde havia um banheiro para emergências.

Os gritos vindos do lado de fora do banheiro me apavoraram. Quando voltei, era tarde demais. Eles haviam chegado e sem compaixão, destruíram meu mundo. As crianças corriam por todos os lados, mas eram pegas e logo dizimadas, assim com as cuidadoras. O pânico cresceu dentro de mim.Não havia mais esperança.

Minhas pernas se moviam numa velocidade incalculável e as únicas palavras que vinham a minha mente eram: "Fuja e não olhe para trás"enquanto corria desesperadamente para dentro da floresta que ficava nos fundos da casa. Enquanto os gritos ficavam cada vez mais distantes.

Não aguentaria mais. Minhas lágrimas rolavam pelo meu rosto, minhas pernas pesavam mais a cada passo e minhas vistas se embaçavam mais e mais. Até que caí.

Acordei numa cabana parcialmente escura. Já era noite. Havia uma mulher agachada próxima a uma lareira, reanimando o fogo. O calor aconchegante do lugar trazia uma brisa irresistível. Ela veio até mim e colocou uma compressa de água gelada sobre meu rosto para que a febre baixasse.

Tentei recuar, mas fui interrompida.

- Você não deve se esforçar. Apenas descanse.

- Quem é você? O que foi aquilo? Você é um deles?

- É muito pequena para entender. Apenas durma um pouco.

- Por favor! Eles mataram a única família.

Ela excitou por um momento, mas por fim colocou o recipiente com água fria de lado e se sentou na cama.

- Mal a conheço, porém quero que fique com isso. Minha mãe me deu quando eu tinha sua idade. Ela te manterá segura.

Havia também um garoto que não me lembro claramente. Ele vinha todas as manhãs com ela para me ver. Eu havia lhe dado a pulseira que tinha ganhado para que se lembrasse para sempre de mim, pois por algum motivo, eu sentia que não o veria por muito tempo.


Fragmentos de AçoOnde histórias criam vida. Descubra agora