O Justiceiro

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Era tarde da noite, as luzes da cidade abaixo de mim se misturavam com as dos grandes prédios à minha frente, entravam pela janela de meu quarto e causavam uma penumbra. O sono ainda não tinha dado o ar de sua graça, como nas noites anteriores. Eu observava meu entorno com um brilho nos olhos. A cidade nunca estava quieta, mesmo quando todos pareciam dormir, era possível ver uma luz vinda de algum andar dos prédios ou um carro se movimentando. Havia vida bem debaixo de meu nariz.

E então aconteceu. Um carro saiu do Wallace Plaza, o hotel à frente e se dirigiu às pressas até o samáforo da esquina mais próxima. Havia algo errado ali. Mesmo do quinto andar era possível ver a agitação do motorista enquanto aguardava pela luz verde. Uma moto se aproximou, parando ao lado do carro e sem motivo aparente, sacou uma arma e disparou 3 vezes através do vidro e depois, acelerou, sumindo pela larga avenida.

Quase não consegui alcançar o banheiro a tempo. Meu coração palpitava no peito enquanto meu estômago negava o jantar recém-comido. Como alguém poderia fazer uma coisa dessas? Nada justifica tirar uma vida tão frágil daquela maneira.

Aquele homem devia ter uma família em casa lhe esperando. Sua filha deve estar sonhando com seu pai enquanto o mesmo se sufocava com seu próprio sangue. Me imaginei no lugar dele e rezei por ele.

Eu não havia percebido, mas ao ouvir a porta sendo escancarada e ver minha mãe adentrando de camisola no pequeno banheiro, vi que estava chorando. Não por medo, não por angústia ou porque estava em choque. Eu chorava pela garota que nunca mais veria seu pai. Nunca mais. Fui confortado pelos braços gélidos de minha mãe enquanto me esforçava para me acalmar, mas tudo se embaçou e logo em seguida, escureceu.

A princípio, desmaiar era uma sensação estranha. Quando eu me deva conta, acordava sob o teto branco e arejado do hospital com vários olhos sobre mim. Era sempre a mesma rotina: exames e mais exames, mas nenhum diagnóstico final. Dava para ver a preocupação nos olhos de minha mãe e de meu pai, quando ele estava presente. A essa altura do campeonato, eu já havia passado por 10 hospitais diferentes e era conhecido como o "inexplicável.

Durante uma bateria de exames, retiraram boa parte de meu sangue e me senti zonzo. As enfermeiras afirmaram que era apenas um efeito colateral da retirada sanguínea e que já iria passar, mas não passou. A tonteira se transformou em uma convulsão e então, apaguei.

Não havia olhos me vigiando dessa vez. Apenas o bipe frequente dos aparelhos me faziam companhia. Não era um quarto como os outros. No lugar de paredes haviam cortinas esverdeadas, que possibilitava escutar os murmúrios e gemidos ao meu redor. Ao longe, um homem gritava, aparentemente de dor. Os passos do que pareciam ser das enfermeiras e médicos se distanciavam cada vez mais. Eu queria levantar e correr para fora daquele lugar, queria pegar todos aqueles panos e fazer uma cabaninha ou caverna. Queria apenas mexer o traseiro um pouco e porque não? Tentei me levantar do leito, mas uma mão me deteve.

- Opa, vai com calma garoto. Você acabou de acordar.

Sorri ao escutar a voz de meu pai e me esforcei para pular em seus braços, mas meu corpo parecia chumbo. Logo um médico apareceu e fez todos os procedimentos: desde o de visão até os de movimento. Seu sorriso era contagiante e indicava que tudo estava bem dessa vez. Cheguei até a pensar que iria para casa, mas, ao pegar a prancheta que continha meus exames, seu sorriso se desfez e então, sem dizer uma palavra saiu apressado pelo corredor, levando meus pais consigo.

Eu não sabia o que significava exatamente, mas as notícias não eram boas, disso eu tinha certeza. Como não conseguia me levantar, ergui o braço levemente para a direita e peguei a pequena pulseira de couro que continuava lá de costume. Por um instante me acalmei e desviei meus pensamentos para longe, eu podia ser apenas uma criança, mas estava ciente de tudo ao meu redor. Mesmo estando entre a vida e a morte eu só pensava em uma coisa: Onde será que ela estaria agora? E torcia para que estivesse bem.

Aos poucos comecei a entender o porque de tanta preocupação em relação à mim, afinal, no meu mundo tais sintomas são resultados de uma doença, porém era apenas a ignorância humana agindo de novo. Meu pai insistia em não aceitar a veracidade dos fatos, mas eu entendo. Há um bom tempo atrás, eu havia lido algo sobre isso. Diziam que com a evolução humana, nosso DNA seria transmutado e habilidades especiais seriam desenvolvidas e era exatamente isso que estava acontecendo, mas a humanidade se nega a acreditar em coisas que não compreendem e principalmente naquilo que não será proveitoso para nós.

Meus pensamentos foram interrompidos por um barulho brusco vindo da frente da ala. Uma luz cegou meus olhos, uma dor absurda tomou conta de meu corpo e depois disso, não vi mais nada.


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