Cap. 1 - Floresta

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Era por volta de onze da noite quando Júlia arregalou os olhos assustada e olhou à sua volta observando seu quarto levemente iluminado, agora que havia acordado tudo fazia sentido em sua mente.

Levantou-se de sua cama e andou até a escrivaninha antiga herdada de sua avó, nela havia uma gaveta trancada por uma chave que ficava guardada em um cordão que ela havia ganhado de sua mãe, não o tirava do seu pescoço desde que ganhara.

A forte luz da lua cheia entrava pela janela junto a uma brisa fresca da noite, iluminando e esfriando o cômodo. O ar fantasmagórico se fazia presente em meio ao silencio da noite, todos da casa já deviam estar dormindo, mas Júlia não pensava em outra coisa a não ser o sonho que teve.

De forma desajeitada e desesperada ela abriu a gaveta, retirando da mesma uma pedra brilhosa que encontrou na floresta aos arredores de sua casa, ela morava numa casa de campo. Fechou a gaveta e colocou o objeto sobre a escrivaninha, sentando-se na cadeira em seguida e procurou algo em meio aos seus livros.

Folheou um livro grande e antigo que tirou do meio da pilha de livros velhos amontoados no chão, o mesmo que a alguns dias pegou em uma biblioteca peculiar que encontrou na cidade. Parou em uma das páginas, arfou ao ler o que estava escrito nas folhas desgastadas e amareladas pelo tempo.

Rapidamente jogou o livro, a pedra e outros objetos pagãos dentro da mochila que usava para ir à escola, parecia atordoada e apressada. Subiu na janela que costumava deixar aberta, olhou uma última vez para o seu quarto e focou em sua sombra que havia se formado ao chão pela luz que emitia da lua, suspirou pesadamente sabendo que seria a ultima vez que faria aquilo.

Desceu suspirando do batente da janela e abriu um caderninho em sua escrivaninha, pegou uma caneta e anotou o mesmo que anotava todas as manhãs antes de ir para a escola. Era um bilhetinho para sua mãe, ela sabia que todos os dias a mulher entrava no quarto para varrer e automáticamente lia os bilhetes diários.

Eu te amo
Xx Ju.

Julia sentia que aquilo era correto e que precisava fazer aquilo, sabia que sua mãe entenderia depois, ou seu pai, queria acreditar que aquela noite à mesa não era um adeus, mas agora seu coração doía em lembrar dos últimos momentos com sua antiga família.

Agora finalmente decidida, andou até o batente e pulou a janela caindo em um monte de folhas amontoadas mais cedo por ela mesma e correu em direção à floresta sombria que se mostrava imponente com todo o majestoso mistério que escondia.

Não havia nem se quer escrito uma carta de despedida descendente, suas vestimentas ainda eram a mesma de quando foi se deitar.

Caminhou por alguns minutos entre as folhas e galhos úmidos pelo sereno da noite, até que finalmente parou no lugar mostrado no sonho. Cercada por árvores e em frente a um tronco caído, ela se sentou no chão cruzando as pernas e jogou sua mochila no seu lado, pegou de dentro uma toalha que costumava usar quando ia pela manhã na floresta, os amuletos, incensos, velas e outras coisas que havia guardado as arrumando sobre o pano. Pegou também o livro de antes o abrindo na página marcada.

Fechou os olhos e respirou fundo, tocou as pontas dos dedos indicadores com os polegares nas mãos como forma de meditação e logo começou a entoar um cântico cujas palavras pareciam de uma língua desconhecida, talvez já morta. Eram as mesmas escritas no livro e que havia se dado ao trabalho de decorar.

E então, como em um filme, luzes roxas começaram a dançar ao seu redor, dando-lhe um ar fantasmagórico e espetacular. A pedra saiu de dentro de sua mochila flutuando no ar, seu brilho agora cada vez mais forte, fazendo toda a zona em contato com a luz se iluminar como se fosse dia. No céu a lua se posicionou com o mais belo brilho que já existiu, era exatamente meia noite.

A pedra começou a girar rapidamente flutuando no ar, Júlia agora repetia várias vezes as mesmas palavra como uma oração. As luzes pairavam sobre a cabeça da garota como uma aureola de anjo, mas o que estava acontecendo ali não era nem de perto algo celestial.

O brilho emitido da lua se fez presente atingindo diretamente a pedra como um fio interligando-as, a luz acima de sua cabeça agora se direcionava para a pedra. Feixes de luz começaram a emanar daquela confusa mistura de luzes roxas e brancas, aumentando cada vez mais o brilho de modo que nada mais podia ser visto além do clarão quando Júlia parou de falar.

Aos poucos a luz suavizou e junto os olhos da garota que se abriram suavemente, o deslumbre de uma figura foi se revelando.

Era a silhueta de uma mulher feita com celebres curvas de pura luz e folhas secas, suas pernas pareciam sair das flores aglomeradas do chão, pétalas de rosas flutuavam ao seu redor. Era a mais magnífica figura que alguém poderia imaginar.

A mulher sorriu ao ver Júlia sentada à sua frente e estendeu sua mão cintilante para que a menina se levantasse. Assim o fez.

— Quanto tempo, minha menina.

Julia sorriu reverenciando a mulher. As arvores balançavam com a fraca brisa de calor que batia, pareciam reverenciar a criatura com todo seu esplendor ali parada.

— Fico feliz que finalmente possa se juntar a mim. – A mulher continuou. O doce som de sua voz ecoava pela floresta, transmitindo paz e esperança aos animais que dormiam por perto. A garota estava completamente encantada com o que estava acontecendo. Ela havia invocado a própria mãe natureza.

Julia respirou fundo e demoradamente, o ar agora parecia mais puro com a presença da mulher. Fechou o livro que estava sobre o tronco podre, agora com a claridade podia ver pequenos cogumelos brancos na madeira em decomposição.

— Não sabe o quão feliz estou por finalmente voltar para casa, minha rainha. – Sua voz saiu no tom de alívio. Ela se ajoelhou perante a figura bela a sua frente fechando os olhos, sentiu uma bela brisa a rodear e logo um clarão se formou mais uma vez na floresta, mas, desta vez, ao se amenizar, não se via mais nada além do velho tronco caído e as folhas secas ao chão.

A mochila de Júlia havia desaparecido junto com ela e a figura da mulher. O livro parecia desaparecer gradativamente de cima do tronco, até que logo havia se tornado apenas poeira levado pelo vento. A lua permanecia brilhante e majestosa no céu, era a única e eterna testemunha do que havia acabado de acontecer no local.

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