Trilha Prateada

5 1 0
                                    

Voltei sozinho para casa.

Gradativamente meus pés tocavam na folhagem baixa da floresta que circundava todo vilarejo que minha família comandava. Não ousava chorar, nem sequer piscava com medo dos meus olhos me traírem. A imagem não saía de minha cabeça, e nunca sairia por mais que o tempo passasse. Minha memória é perfeita, e isso me amaldiçoa.

As imagens vieram vagarosamente, como se fosse uma névoa se instalando em uma cidade, cobrindo tudo com sua brancura. Podia sentir o cheiro de sangue, metálico e enjoativo, podia ouvir os gritos pedindo morte, e podia ouvir o silêncio, que era o pior de todos.

Silêncio de meu pai, daquele monstro. Ele não queria punir o servo afinal de contas, queria punir a mim.

Pensar naquilo me deu náuseas, não estava pronto para encarar os olhos de toda a minha família, podia até sentir seus cochichos vibrarem pelo ar até chegarem aos meus ouvidos de modo difuso. Não me sentia seguro em casa, não mais.

E o criado, Luke? Ele está seguro agora? Ele não tem mais serventia para sua família, no mínimo seu pai o deixou lá agonizando para que ele procurasse a própria casa sem companhia. Quem está seguro?

Cerrei os punhos tão forte que pude sentir a carne cortada de minha mão expelir mais sangue prateado deixando uma trilha por onde quer que eu, no fundo eu sabia que eu deveria voltar para casa o mais rápido possível, eu podia ser prateado, mas as ruas eram tão perigosas para mim quanto para uma criança vermelha por aí. Sangue nobre inspirava respeito, inveja e amargura.

Não pude lutar contra meu espírito rebelde e voltei por onde tinha ido rezando para não encontrar ninguém no caminho, ou pior, meu pai. Por onde quer que eu trilha-se naquela floresta, uma trilha ficava. Flores de todas as cores floresciam onde meus pés tocavam, as árvores se abriam para me dar passagem e em compensação seus galhos se enchiam de frutas e as folhas secas pelo sol do verão ficavam revigoradas, como se estivessem na primavera. Seguir minha trilha de volta não foi difícil e logo já estava de volta a clareira e como eu suspeitava, o vermelho ainda estava lá agonizando e Lord Welle tinha desaparecido sem deixar rastros.

Não oscilei em segundo algum enquanto corria até o jovem rapaz deitado no chão. Seus gemidos de dor ainda ecoavam baixos como um sussurro, mas seu corpo estava inerte, sem qualquer movimento. Toquei suas costas suavemente sentindo os ossos de sua coluna vertebral e ao meu toque um arquejo de alívio saiu de sua boca.

– Q-Quem está aí? – Perguntou atenuado, sua voz era esganiçada como o espicho de um gato prestes a brigar com outro.

Engoli em seco. Certamente ele conhecia minha voz já que ele a ouvirá por muitos anos, mas eu sequer sabia seu nome, não tinha interesse em saber da minha criadagem, de certo bom Era até benéfico não ter criado laços com ele, caso contrário; tudo que eu tinha feito a ele teria sido mais doloroso para ambos.

– Sou... Sou um vermelho, como você. – As palavras soavam amargas em minha boca. – O que fizeram a você?

Não esperei resposta, pelo simples fato que ela não viria. Eu no lugar dele faria o mesmo. Peguei cautelosamente em um de seus braços e o puxei para cima sem muito esforço, sem pensar duas vezes rasguei o tecido de minha roupa e coloquei suavemente sobre seus olhos que não paravam de verter sangue. Logo o tecido estava enodoado junto com ambas minhas mãos, me empenhei apenas eu salvar o garoto e envolvi o tecido contra seus olhos para parar o fluxo de sangue.

– Onde você sua família vive? Eu o levo até eles... – O plano era repleto de falhas, pra começar, eu seria reconhecido na hora pelos vermelhos pelas minhas vestes, e eu nunca ousaria entrar em um lugar tão imundo como aquele.

Jogo das CoroasOnde histórias criam vida. Descubra agora