Disparos Invisíveis

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O tiro não sobreveio para meu alívio.

Pude sentir minhas bochechas esquentarem segundos depois ao perceber meus dedos trêmulos e olhos arregalados. As armas apontadas na direção do criado logo se abaixaram ao perceber quem vinha na direção de todos nós, nem tive a chance de virar o rosto quando a forma de uma mulher com belos fios louros intercedeu a minha direita, com os olhos azulados fixos no rosto do Iral, ela não tinha expressão, não tinha alma, não tinha desejos; exceto por um que era manter sua família intacta, e nem mesmo um reino inteiro passaria por uma mãe que está protegendo suas proles.

Rapidamente, os guardas empertigaram sua posição arqueando ao máximo suas costas e deixando o olhar erguido e distante, com os ouvidos prontos para ouvir ordens ou reclamações. Ambos vão vir, eles podem ter certeza.

– Milady Welle. – Falou o do meio, engolindo em seco como se uma enorme espada pendesse sobre seu pescoço, gotas de suor escorriam por sua testa. – Só estávamos cumprindo ordens Milady.

O tom de voz do guarda estava totalmente diferente, mais respeitoso, medonho e cálido como o sussurro das sombras prontas para ser extintas pela luz do Sol. Minha mãe sequer mostrou remorso em estalar as costas de sua mão contra o belo rosto do Iral que nem mesmo recuou, apenas abaixou os olhos tristonhos e arrependidos. Os guardas loiros fizeram o mesmo, desejando não sofrerem uma punição como terem que ir cuidar de velhos vermelhos, ou pior, pararem no Gargalo, o lugar mais penoso de toda Norta e Lakeland; lugar onde não brota vida, só morre, era como se lá existisse enormes erva daninha e elas estavam criando raízes destruindo cada vez mais o belo jardim que um dia fora nosso país.

– Acompanhem esse vermelho até sua respectiva casa e façam devidos curativos e cuidados que o paciente de vocês necessita. Questionamento de minhas ordens, vocês automaticamente irão sujeitar-se a prisões com aviso prévio ou até mesmo a execução.

Seu tom nunca fora tão duro e sem margens de questionamento, e aquilo me deixou receoso em acompanhá-la até em casa. Sabe se lá o que me espera quando chegar em casa. Ela me viu ajudando um vermelho, isso era pior do que ser covarde.

Não pude dizer nada e minha taciturnidade me incomodava, a respiração vinha mais sôfrega e os meus braços inquietos revelavam mais do que eu gostaria de mostrar. Evitava o olhar duro de minha mãe, por mais que eu quisesse focar no seu rosto, meu pescoço simplesmente se recusava a se virar para fitá-la.

Os guardas sem qualquer margem de contestação à minha mãe pegaram o vermelho do meu lado o puxando calmamente me tirando se seu calor. O mais estranho era que eu senti falta da companhia do garoto, por mais que fosse um dia ruim eu poderia até me imaginar cuidando dele, o visitando as escondidas durante a noite para ver sua recuperação. Você vai fazer isso, é seu dever e de mais ninguém.

– Esperem. – Falei sem pensar nas conseqüências. O olhar dos guardas e o de minha mãe se reterão sobre mim queimando minha pele expondo todo o meu interior apodrecido pelo tempo. – Preciso de uma confirmação que eles vão fazer isso mesmo.

Dessa vez falei olhando na profundidade dos olhos já escurecidos de minha mãe, gostaria de ver um sorriso delinear-se por seus lábios, mas nem isso obtive, ganhei nada além de um olhar triste de desaprovação e falta de convicção. Esbravejei contra mim por dentro inúmeras vezes, sabendo que não tinha como voltar atrás, prossegui olhando para minha mãe.

– Use seus poderes, mãe.

O pedido foi seco, e isso chocou a todos ali. Minha mãe era uma cantora da Casa Nornus, seu poder podia ser subestimado, mas quando colocado em pratica qualquer um recuava em horror e descrença no que via. Apenas com um olhar e com o poder da voz, minha mãe podia fazer as pessoas fazerem o que ela quisesse, mas seu poder ia além daquilo. Dotada de um poder a décadas jamais visto, minha mãe não precisava de contato visual, sua voz podia hipnotizar uma sala inteira.

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