Coração Fatiado

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Mas você precisava me cortar...

Estava sem visão, estava sem foco, estava sem nada. Vagava no vazio, sentindo o deleite da escuridão tocar em meu corpo, empurrando sua frieza contra meus lábios já gélidos e desprovidos da vontade de sorrir novamente. Abria o espaço com meus braços, que dançavam pelas estrelas formando novas nebulosas, quem dera se fosse real... Quem dera se eu simplesmente pudesse me perder no espaço...

Não importava o quanto eu fosse forte, não importava o quanto eu odiava não ter força de espírito o bastante para não derramar lágrimas. Mas ali, sozinho na escuridão do meu quarto eu já podia sentir as lágrimas ainda quentes rolarem por minha face ainda que por pouco tempo. Minhas mãos deslizavam pelo chão frio procurando o aveludado carpete que se encontrava poucos centímetros à minha frente, queria me arrastar por ele até fazer parte daquele pequeno quarto, eu queria tudo, e ao mesmo tempo nada.

A respiração sôfrega saía por meus lábios já sangrando prata por cada soluço reprimido, por cada mordida que me deixava ainda mais alerta. É normal se alto flagelar? É normal querer tingir o mundo com o seu próprio sangue? Fazer com que as pessoas chorem em horror ao despertarem de seu doce sonho cheio de ilusões que secretamente apenas ajudavam a escuridão no coração de cada um? Eu quero os corações, eu os quero pra mim.

Gostaria de dizer que aquilo era o certo para mim, mesmo sabendo que eu fazia parte dessas pessoas cheias de uma lasciva truculenta, era óbvio que eu sabia que de qualquer maneira, eu nunca mudaria o mundo. Nunca sempre vai ser a palavra que vai te rondar, sempre vai ser nunca.

Sem aviso prévio, finas gotículas de chuva começaram a se estatelar no vidro da janela de meu quarto me chamando para levantar o rosto para ver o espetáculo que o mundo lá fora ficava quando tudo se tornava cinzento. Talvez seja isso, talvez haja ausência de cores no mundo. Eu fazia parte da chuva prata que apagava o vermelho das rosas.

Queria acreditar que cada gota que eu derramei fora estritamente por causa de mim, queria ser que nem os outros, desalentados, insensíveis, indiferentes. Justamente eu tinha que nascer com o coração puro, justamente eu tinha o meu coração de algodão-doce roubado por qualquer um que quisesse se aproximar...

Um toque gentil ecoou pelo quarto sendo emitido pelas batidas na porta trancada, já fazia horas que a mesma batida soava, seguida por uma doce voz masculina que eu me recusava a acreditar ser verdadeira. Andus não quer saber da sua saúde, só quer saber das fofocas como todos os outros.

Mas dessa vez as batidas foram mais insistentes, quase como uma ordem para eu abrir aquela maldita porta. Um garoto depressivo não pode ter um dia com depressão sem ser incomodado? Claramente, não.

– Vamos Luke, recebemos visitas. Você não quer passar de mal educado perante nossos convidados, quer? – Seu tom de voz era semelhante ao meu, a única diferença é que sua voz transmitia uma maturidade que claramente eu não tinha. Andus é capitão da Legião Cobertor, a legião responsável por acobertar qualquer outra operação feita pelos exércitos de Norta. Serve ao exercito a mais tempo que muitos prateados. Ele simplesmente gosta da guerra, faz parte dele.

Deixei o silêncio ultrapassar minha vontade de ir ver quem estava incomodando meus pais, mas simplesmente me recusava a sair de meu quarto simplesmente para encarar o rosto de meu pai. Vou evitá-lo, vou provocar a serpente interior que vive naquele monstro que chamo de pai, que tem o mesmo sangue que o meu. Gostaria de ter essa força de vontade, não a tenho; no mínimo amanhã já estaria sentado a uma mesa com ele ao lado, encarando cada movimento que eu faço como sempre, simplesmente faz parte da minha alma voltar para o que me faz mal...

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⏰ Última atualização: Mar 01, 2019 ⏰

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