Capítulo 27 - e-mail 02

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Mês dois

De: lauren.mj@wmail.com

Para: camila.cll.@wmail.com

Assunto: Você acredita em anjos?

Querida, Camz

Durante essa semana, tivemos mais uma incursão de cotidiano pelas ruas da cidade e como em todas as outras vezes, lidamos com o que já estamos acostumados... Alguns alertas de bombas falsas (Algumas verdadeiras), olhares intensos em nossas direções, alguns tiros disparados em confrontos cegos, situações de pura tensão apenas pelo estado das ruas. A única diferença é, que depois de muito tempo, eu e meus companheiros de incursão fomos chamados de anjos por uma senhora de cabelos grisalhos e olhar abatido. Era uma final de tarde, já estávamos voltando para o batalhão, no carro disponibilizado pelo exército... Vero comentava algo sobre o tempo seco, Troy tinha os olhos atentos enquanto dirigia e mais dois soldados tinham as armas apontadas pelas janelas, no caso de alguma emergência. De repente, eu avistei uma pilha de destroços e essa senhora tirando com as próprias mãos os pedaços de cimento grossos e metais retorcidos, enquanto o rosto estava banhado em lágrimas. Eu pedi para Troy parar o carro e mesmo com alguns resmungos da parte dos outros, nós seguimos até a senhora, que se mantinha firme em sua missão de retirar aqueles destroços. Era claro que ela estava procurando por algo ou pior, por alguém e eu, mesmo sabendo que tinha ordens para não parar em casos como esse (Sempre pode ser uma emboscada), pedi para que um dos soldados, que era familiarizado com a língua nativa, perguntasse o que estava acontecendo (Eu também sei que você gostaria que eu tivesse menos coragem para me arriscar assim, mas ali, era compaixão).

A senhora mesmo assustada e receosa, provavelmente pensando que poderíamos a machucar, explicou que seu cachorro havia ficado preso no lugar e que não estava conseguindo sair. Os soldados insistiram para que deixássemos isso de lado e fossemos embora, mas então, a senhora explicou que aquele animal era tudo que havia a restado, toda a família já havia falecido em todos esses anos de confronto. (Acho que aquilo machucou mais a nós do que qualquer tipo de soco). Não se passaram muitos segundos até todos estarem retirando os destroços rapidamente, atentos ao latido abafado do cachorro que aos poucos começava a ficar mais claro. Por incrível que pareça, o animal estava bem, apesar da poeira em seus pelos e a senhora afagava o cachorro com um brilhante sorriso no rosto.

Foi então, logo depois de pronunciar inúmeras vezes palavras em agradecimento, que ela disse "Vocês são como anjos.". Eu voltei para batalhão com aquilo martelando na minha cabeça e dormi com lágrimas nos olhos, tentando entender o que aquilo significava... Você sabe, existem anjos bons, ruins e eu fiquei tentando entender de que lado estávamos... E você sabe que em uma guerra, sempre existem dois lados da história... O que faz o meu lado ser o certo e o deles o errado? O que faz ser o contrário? Ambas os lados acabam atingindo, inevitavelmente, pessoas inocentes e eu penso no quão louco (E triste) é uma pessoa, sem a família, ter que ter a nós como a figura de anjos por salvar a única coisa afetiva que a restou, sendo que nós mesmos contribuímos para aquilo... Esses pensamentos ficaram martelando na minha cabeça até agora e são nesses momentos em que lembramos daquela velha e clichê citação do Nietzsche, "Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você." e eu sei que, no final, o melhor é seguir em frente e não deixar que esse abismo te engula.

Acho que gastei palavras demais nesse e-mail com um assunto tão denso como esse, então vamos seguir... Já que sofri uma ameaça direta da senhorita em relação as respostas do seu pequeno (Mais para longo) questionário, prometo que irei responder tudo com a mais pura verdade (Promessa de mindinho).

PJ's Heart - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora