Questão de Tempo

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O homem estava trajando um belo terno, e olhava o tempo todo para a porta, ansioso. Segurava uma caixinha preta nas mãos, e pelo formato da caixa, devia ser de um anel.
- O senhor quer mais um pouco de água? - Perguntei, me aproximando de sua mesa, sorrindo com empatia. Não que já tivesse estado na mesma situação, mas depois de cinco anos segurando bandeijas, nada surpreende. Destacou suas rugas com um sorriso breve, rejeitando minha oferta com educação, logo se voltando pra porta outra vez. Seja lá quem ele estava esperando, era importante.
- Eu vou pedi-la em casamento hoje, fazemos bodas de cristal. - Me confidenciou, enxugando o suor nervoso do rosto com um paninho. Assenti com a cabeça, sorrindo. A agonia dele estava quase me contagiando, mas não tive tempo para isso. Uma senhora entrou pela porta do restaurante, e a respiração do homem falhou. Afastei-me para não parecer invasivo e assisti tudo acontecer como se não estivesse ali. De fato, para eles eu não estava. Ninguém estava. Ela parecia nervosa também, muito bonita, vestia um azul que combinava perfeitamente com o tom escuro de sua pele e com a mala que carregava. Teria chegado de viagem? A mulher não sorria. Olharam-se por alguns instantes, como se palavras não fossem necessárias. As mãos do homem, sob a mesa, quiseram mostrar-se, mostrar a caixa, mas as mãos da mulher apareceram primeiro. Elas tinham fotos, e as fotos deixaram o homem confuso. Me estiquei, e estive tão concentrado nas imagens que não pude ouvir uma palavra sequer do que conversavam. Nas fotos estava o mesmo homem, alguns anos antes, com uma moça pelo menos vinte anos mais jovem. Voltei-me para o casal. Ele balançava a cabeça em negação e ela chorava. Mostrou o anel dentro da caixinha, mas ela fechou a mesma. Agora ele chorava. Uma leve alteração de voz dos dois e eu pude ouvir as palavras "desperdício" e "passado". Ele gritou que a amava e a abraçou, mas ela pôs a mala entre os dois e foi embora.
- Garçom? - É o casal de jovens da mesa três.
- O senhor quer que eu traga a sobremesa? - Perguntei, me aproximando de sua mesa, sorrindo com empatia. Não que já tivesse estado na mesma situação, mas depois de cinco anos segurando bandeijas, nada surpreende.
- Sim, traga a torta com a surpresa.
- Que surpresa meu amor? - Os olhos da garota se encheram de expectativa.
- Se você soubesse não seria surpresa.

Textos Descafeinados Sem AçúcarOnde histórias criam vida. Descubra agora