É São João no Maranhão, bandeirolas e barracas de palha enfeitam os arraiais em São Luís, o som de tambores e pandeirões ecoam pelos quatro cantos da grande ilha, eles ditam o ritmo da festa. Este é o clima que Antônio Soares encontrou em visita à capital do Estado. De Lisboa para a Av. Beira-Mar, tentava não chamar atenção, apesar de trajes comuns, aquele olhar perdido no tempo e espaço era suspeito e em nada o ajudava. Antônio levava consigo uma bolsa presa ao corpo e um pequeno mapa em mãos. Lá estava ele, um turista português em plena Rua Portugal, um enorme acervo da cultura lusitana, herança dos nossos colonizadores.
As semelhanças com a terra de além-mar fizeram Antônio sorrir encantado, os traços da arquitetura portuguesa nos prédios de São Luís, por alguns minutos trouxe lembranças de sua cidade natal. Azulejos, sobrados e mirantes, se não fosse o clima tropical, Antônio poderia jurar que estava em casa. Ele deveria estar sofrendo com aquele calor, tão diferente do clima ameno de Portugal. Vendo o português derretendo e com a pele cada vez mais avermelhada, foi aí que aos berros, surgiu como um vento impetuoso o falante Uilson oferecendo chapéus de fibra de buriti. Com o susto, Antônio acabou tropeçando em um paralelepípedo saliente que fazia parte do calçamento típico daquela rua. Uilson, um magricela atrevido, tinha respostas na ponta da língua, os olhos vigilantes e na cabeça, claro, um daqueles chapéus.
─ Estais louco? Quase me matas de susto gajo!
─ Desculpe, não queria te assustar. Só tô vendendo chapéu! Fica calmo! Vai precisar de um desses aqui se quiser prolongar o passeio. Ofereceu-lhe Uilson o produto.
─ Precisavas gritar ao pé dos meus ouvidos?
─ Faz parte do marketing.
─ Até que não é má ideia, dai-me um destes!
Disse Antônio
─ Sem querer incomodar, de onde é?
Perguntou o curioso Uilson.
─ De Lisboa, Portugal.
Respondia Antônio ao examinar os chapéus
─ Ah! Bem percebi o sotaque. Então falamos a mesma língua
─ Há controvérsias gajo.
─ Contra quem?
Uilson não entendeu.
─ Existem algumas diferenças, falamos Português, já vocês brasileiro.
─ Tu queres falar Português do Brasil. Ficou ótimo vai levar?
─ Levar o que?
─ O chapéu homem!
─ Sim, gostei deste.
Os dois travaram um embate até entrarem em acordo em relação ao preço do chapéu, o que seria uma situação aparentemente rápida, tornou-se demorada pela falta de compreensão, até que o desenrolado Uilson convenceu Antônio a pagar o valor pedido. Quando se trata de dinheiro, a linguagem é universal. Chapéu na cabeça e dinheiro no bolso. Por ali passava uma excursão de alunos, passava não, corria mesmo. As crianças corriam e gritavam entusiasmadas pela rua.
─ De onde saíram todos esses putinhos barulhentos?
Perguntou Antônio. Uilson arregalou os olhos e franziu o cenho.
─ São apenas crianças seu pervertido!
Mal sabia Uilson que putinhos é como se chama um grupo de crianças na terra do português. Pela reação do nativo, Antônio percebeu que havia cometido uma gafe, e tentou contornar...
─ Fui puto um dia e você também como esses meninos.
─ Eu não!
Contestou Uilson.
─ Ah entendi! Mas aqui falamos criança, se eu fosse você evitava esse termo!
─ Vistes? Outra complicação da língua que vocês falam por aqui.
Antônio percebeu que não sabia o nome do vendedor de chapéus.
─ Afinal de contas, qual o seu nome?
─ Uilson!
─ Até no nome sofrem influência.
Antônio sorriu.
─ O que quer dizer?
─ Oras! Wilson é variação de William, que por sua vez tem origem inglesa, e não portuguesa. Eles até tem um príncipe com esse nome.
─ Pode até ser nome de nobre, e não nego que sou. Mas meu nome é brasileiro. U-I-L-S-O-N é assim que se escreve. Pra ficar mais acertado te mostro a identidade!
Uilson mostrou o documento de identidade orgulhoso.
─ Guarde este bilhete, acredito em você!
─ Bilhete? Só vendo chapéus.
─ Me refiro a isto que seguras.
─ Éguas! Eita Língua enrolada! E você que nome tem?
O maranhense cruzou os braços.
─ Me chamo Antônio e não Antony! Senhor Uilson, poderia me dizer onde encontro uma casa de banho? Preciso me apressar para tentar alcançar o autocarro da minha excursão!
─ E lá vamos nós outra vez. Turista deveria vir com dicionário. Casa de banho aqui não tem, isso é coisa lá da Roma antiga e essa história de autocarro, é carro com controle remoto moço? Só na Rua Grande que tem várias lojas.
Antônio abriu um sorriso ainda maior e tentou explicar.
─ Onde vocês tomam banho?
─ No banheiro
─ Banheira?
Estranhou o português o som daquela palavra
─ Banheiro!
─ Que seja, e isto aqui é um autocarro!
Dizia Antônio apontando para a figura de um ônibus no panfleto que trazia.
─ Ah ônibus! Por que não disse logo? Vem comigo!
VOCÊ ESTÁ LENDO
QUE PORTUGUÊS É ESSE?
Short StoryTendo como palco a encantadora ilha de São Luís, o nativo de Portugal em visita ao Brasil depara-se com um maranhense atrevido, a Língua em comum que deveria aproximá-los, acaba por colocar a dupla em situações no mínimo constrangedoras. (TODOS...