CAPÍTULO 2

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Observando a situação, Uilson foi logo levando o novo "amigo" ao restaurante do pai, Mestre Ferreira, um dos mais tradicionais da região. Depois de vir da casa de banho, digo, do banheiro, Antônio sentou-se ao lado de Uilson, que estava à mesa tomando uma cerveja e foi logo perguntando:

─ Quanto custa a Imperial?

─ É príncipe, é imperador, você tá mesmo envolvido com a realeza. Essa eu aposto que acerto! É cerveja, e essa é por conta da casa!

Mestre Ferreira ouvia a conversa desconfiado enquanto limpava uma mesa ali próximo, e naquela altura chamou a atenção do filho.

─ Conta de quem hein Uilson? Tá ganhando tanto dinheiro assim pra sair oferecendo minha mercadoria de graça?

Mestre Ferreira tinha uma aparência de meter medo, era robusto e de poucas palavras. Aquelas grandes mãos faziam qualquer um pensar duas vezes antes de bancar o esperto com ele.

─ Nada que vá lhe empobrecer pai! Mas caso faça questão, pago sem reclamação!

─ Deixe de ser besta, filho meu aqui não paga cerveja!

Antônio bateu de levinho no braço de Uilson mostrando a carteira como se quisesse dizer que poderia pagar pelo que consumiria.

─ Guarde seu dinheiro amigo, confusão quero evitar. É justo eu aqui pagar!

Mestre Ferreira chamou a filha, Gerusa, que estava atrás do balcão para trazer o pedido do português. Gerusa era a filha mais nova de Mestre Ferreira, mulher de curvas suntuosas, sorriso branco, contagiante, olhos amendoados e brilhantes, os cabelos cacheados balançavam com o vento, mas não tanto quanto seus quadris, dentro de um vestido florido. Uma negra que não passou despercebida por Antônio, que a acompanhava com os olhos fixos, muito menos aos demais clientes que ali estavam. Corre boatos que Gerusa é o atrativo maior do restaurante Brilho da Ilha. Eu não duvido. Ela serviu Antônio com sorriso maroto, aposto que percebera o jeito como o português a fitava.

─ Aqui está! Aproveite bem o pedido.

─ Pedido entregue pode voltar e o pai ajudar!

Disse o irmão ciumento.

─ E se não quiser, quem vai me obrigar?

Retrucou a moça.

─ Poderia ficar e nos acompanhar, tem cadeira sobrando pra bela rapariga sentar.

Comentou Antônio. Uilson arregalou os olhos e levantou da cadeira esbravejando.

─ Rapariga é a mãe! Minha irmã é moça direita. Escolha bem as palavras quando falar da filha alheia.

─ Deixa de ser besta!

Outra vez Uilson ouviu. Dessa vez foi de Gerusa que sorriu. Porque a intenção do português ele não entendeu. A moça pôs-se a gargalhar, pois outros portugueses já tinha ouvido tagarelar.

─ Uilson o rapaz não me ofendeu, rapariga é como se chama moça em Portugal, fica calmo e torne a sentar, a cerveja vai esquentar, e o moço envergonhar.

─ Peço desculpas se a ofendi, não era minha intenção, estou pela primeira vez aqui.

Salientou Antônio.

─ Logo vi, guarde esse termo lusitano, no Brasil essa palavra não tem um tom puritano.

─ Ainda bem que nosso pai não ouviu, seria capaz de nos expulsar a ponta pés! Exclamou Uilson.

Gerusa apaziguou a situação e foi apresentada ao novo amigo do irmão, logo a conversa fluiu, Antônio ficou surpreso com o significado da palavra que usara para cumprimentá-la. Uilson sorria da reação inesperada que tomou. Outras palavras e diferenças iam surgindo.

─ Agora sim eu falo o Português correto. Falou Uilson em um momento da conversa, referindo-se a presença de um português nativo ao seu lado.

─ Aí que você se engana Uilson!

─ Nós brasileiros sabemos o Português sim! O que acontece é que além das várias diferenças linguísticas que comprovamos, a língua portuguesa varia de região para região. Ainda mais quando se trata de um país para outro, e o Brasil sendo tão grande, é natural que essas diferenças ocorram.

Gerusa era mulher sabida das coisas.

─ Foi exatamente o que percebi assim que encontrei o seu irmão.

Argumentou todo prosa Antônio encantado por Gerusa, vigiada de longe por Mestre Ferreira.

─ Você disse que falamos um tal de "brasileiro" ou coisa parecida. Lembrou-se Uilson.

─ A nossa língua é cheia de influências sim, é galicismo pra cá é anglicismo pra lá! Mas vou discordar de você... Tão pouco Portugal se manteve livre de influências, é ou não verdade que a França e até os árabes influenciaram o Português?

Perguntou Gerusa, o atrevimento era mesmo de família.

─ Verdade!

Ficou Antônio a refletir.

─ Nosso Português é brasileiro, e é até um termo para os estudiosos da Língua fazer essa distinção.

─ Acho que escrevendo as diferenças seriam menores.

Uilson pensou alto.

─ Sim, e pra isso temos nossa própria gramática. E você acaba de nos dar outra bem interessante. O gerundismo algo tão comum no Português brasileiro. Nunca iremos ver nosso amigo Antônio falar: escrevendo, fazendo, bebendo... É coisa nossa!

─ Mas sim: Estou a escrever, estou a fazer, estou a beber. Eis o Português brasileiro! Mas nós portugueses também temos este gerundismo.

Interrompeu Antônio.

─ Então em Portugal o Português não é falado tão perfeitamente assim.

─ A conversa está boa, mas tem pia cheia de louça pra professora lavar.

Mestre Ferreira aproximou-se dos três, com outra cerveja na bandeja. Com uma direta mesmo para filha, que deu de costas e continuou o conversê.

─ Estou fazendo uma pesquisa linguística pai.

─ Sei bem a língua que quer pesquisar. Depressa!

Gerusa encerrou a conversa ao convidar Antônio para assisti-la ali mesmo na frente do restaurante Brilho da Ilha a noite. Uilson ouviu calado ao observar os olhares  daqueles dois. Antônio muito animado a noite retornou à rua da Estrela, parecia que iria a um casamento de tão aprumado, camisa de manga longa, sapato de couro reluzente nos pés, e um perfume tão forte capaz de embriagar qualquer um que chegasse mais perto. Lá se foi ele.  




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