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Júlia encarou a porta branca por mais vezes do que gostaria. Faltava-lhe coragem, faltava-lhe audácia, então ela permaneceu quieta imaginando o que encontraria do outro lado. Ir até ali tinha sido fácil, mas passar por aquela porta não parecia ser assim... tão fácil.

A advogada sentia o olhar das pessoas sobre si, e sentia-se cansada. Muito cansada. Cansada de mais. Então abriu a porta. Seu olhar encontrou-se com o de Rafael. Ele estava acordado, esperando-a e chamando-a. Um sorriso mínimo demonstrou. Júlia respirou fundo e deixou a bolsa no pequeno sofá de duas pessoas, aproximando-se com cuidado.

Não o tocou, mas aproximou-se o suficiente para que senti-se o que tanto evitou, sentiu saudade. Puxou a cadeira e sentou-se, encolhendo as mãos no colo. 

- Senti saudades - ela iniciou e riu, inclinando-se para frente. - Talvez daqui alguns anos, quando você sair da cadeia, podemos ir ao inferno de novo - a morena sugeriu e mordeu o lábio inferior, deixando os braços descansarem-me na beirada daquela cama. - E a gente pode também viajar. Dizem que o nordeste é lindo, Rafa. Eu ainda não fui, mas talvez nós possamos ir, juntos, sabe? Você quer?

Rafael balançou a cabeça positivamente e puxou suas mãos, parecia que esse ato o fazia sentir dor. Júlia então não hesitou e segurou sua mão. Ele era tão lindo, e tão cafajeste. Ele era o homem pelo qual ela se apaixonou, e amou todos os seus defeitos e suas qualidades. 

- Desculpa, por favor. Me desculpa - Júlia pediu e fungou. - Eu amo você, eu sempre amei você. Desde a primeira conversa, desde o primeiro "oi". Não me deixa, Rafael. Por favor. Eu não posso viver sem você. 

Rafael sorriu e mostrou as covinhas, o suficiente para que Júlia se inclinasse para tomar seus lábios num pequeno beijo. Ele tinha lágrimas nos olhos, lágrimas que tentava esconder. 

- Eu vou morrer, Jú - ele sorriu, triste. - Mas eu quero que saiba que te amo, que me apaixonei por você e que foi a única mulher que ocupou meu coração - ele pausou e puxou ar. - Eu aprendi o que era amar, e olha o que eu sou... Eu acabei com vidas, e sonhei em ter uma vida inteira com você. Eu não mereço você. Você merece mais. Você é a mulher mais determinada e forte que já conheci. Você é o nascer do sol e o fim de tarde que a gente nunca esquece. Você é o amor que não sou capaz de ser. Você é tudo o que nunca serei.

- Não fala isso. Você vai viver. E eu vou te esperar por todo o tempo que for, eu vou estar do seu lado e eu vo-

- Para - Rafael pediu e ela se calou. - Eu não te chamei aqui para isso, eu te chamei aqui porque você precisa de um fim. Nós nos autodestruímos e eu quero que você seja feliz, quero que você ame alguém, se case e tenha filhos. Quero que tenha tudo o que não pude te dar e que lembre-se sempre que você foi amada, que você foi retribuída.

Júlia assentiu e distanciou o olhar, levantando-se. Suas mãos estavam em punhos, caídos pelo seu corpo. E ela socou a parede. E chorou. Ela nunca estaria preparada para perdê-lo. Nunca. Ela não queria um fim, ela queria um recomeço, ela queria que a vida fosse justa, ela queria poder salvá-lo, ela queria poder fazê-lo viver e construir tudo ao seu lado. Ela soluçou, ela se encolheu naquela parede como se fosse seu abraço. Ele ouviu, ele a amou, a amou por amar, por a conhecer, por ver naquela morena mais do que nunca tinha visto em nenhuma outra. 

- Não vá ao meu enterro, vá para uma festa. Dance e termine a noite com aquele seu amigo... Caio, eu acho. Ele gosta de você, ele vai pode te dar tudo o que não posso. 

- Eu quero você, Rafael! 

- Vai ser feliz, Júlia. Vai! - ele ordenou e ela olhou para ele. - Agora! 

- Por que? 

- Vai, Júlia! 

Júlia chorou, pegou sua bolsa e deixou com ele seu último beijo. 

- Eu amo você.

Ele assentiu. Ela se foi. Ele sorriu triste e fechou os olhos, dando seu último sussurro. 

- Eu amo você, Júlia Carvalho.

Seu coração então parou de bater. O som ecoou por todo o corredor. Ela ouviu. Ela correu. Ela correu e chorou. Ela tinha perdido ele, para sempre. 

Rafael Monteiro era só uma lembrança a partir de agora. Rafael não existia mais. E isso doeu porque mesmo que seu amor fosse uma loucura, seria sempre a sua maior e mais feliz loucura. Júlia sentia-se só, mas acolheu-se nas lembranças, acolheu-se em lembranças, acolheu-se no pouco que lhe restava. 

- Amarei-te para sempre - ela prometeu. - Amarei-te não importando o dia, a hora ou o segundo. Amarei-te eternamente porque a morte não acaba com o amor, a morte não mata o amor. A morte é só a morte. E eu amo você - ela discursou e deixou suas flores sobre o túmulo. 

O padre encerrou o enterro falando sobre a bondade humana e Júlia ficou finalmente só. Olhou a lápide e sorriu.

- Sinto muito, mas não consegui cumprir isso. Até a outra vida, meu amor.

Ela virou as costas e saiu. Ela estava pronta para viver. Ela estava liberta, mas seria eternamente dele. E ela não diria adeus. Nunca diria adeus. Aquela história estava encerrada, mas não inacabada. Afinal, vai saber o que o universo planeja? 

You were mother nature's son

Someone to whom I could relate

You're needle and your damage done

Remains a sorted twist of fate

Now I'm trying to wake you up

To pull you from the liquid sky

'cause if I don't we'll both end up

With just your songs that say goodbye

Apesar de tudo, aquela história não acabaria como a canção. Não seria uma história de adeus, talvez de reconstrução. Mas adeus jamais. Seria a história de dois iguais que se repeliam, mas também se atraiam. E Deus, como eles se amaram...

The end [...]


O fim.Onde histórias criam vida. Descubra agora