Café Quente

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          Abro meus olhos apenas um pouco e, sem parar de olhar para a estrada, ela me pergunta como estou. Eu me espreguiço dentro do limitado espaço do banco do carona e ela diz, espantada:

          — O que você pretende devorar abrindo este bocão!

          — Só você, querida! Só você...

          Ela solta uma risadinha curta, suspira profundamente e se cala. Eu, sem nada para fazer enquanto ela dirige, apenas a observo. Amanda é daquelas mulheres misteriosas que mesmo depois de meia década convivendo, você continua a se perguntar se sabe algo sobre ela. Depois que alisou o cabelo e jogou aquela franja sobre o olho direito ela ficou tão sexy que, em alguns momentos eu mal consigo segurar o desejo de beijar e morder aqueles lábios grossos.

          Chegando a um desses postos de beira de estrada, minha esposa estaciona e delicadamente vira-se para mim. Recosta sua cabeça na janela de seu lado, e enquanto coloca seus pés sobre meu colo, reclama de um arrepio que passa pela sua espinha quando sua pele toca o frio e úmido vidro. Eu acaricio seus pés envoltos por aquela fina meia de seda que lhe dei no natal, e levantando um pouco seu vestido, toco sua coxa. Ela me encara com seus grandes e sensuais olhos e um sorriso na ponta da boca. Então passa lentamente a língua pelos lábios e diz que, mesmo assim, eu não me livrarei de sair e encher o tanque. Dou uma risada em falso protesto, e ela coloca seu pé em meu ombro empurrando-me para fora, e mostrando, como que sem querer, sua linda e negra calcinha rendada. Agradeço-lhe pela bela visão e saio do carro carregando uma de suas animadas gargalhadas.

          A verdade é que não sei o porquê de Amy ter me arrastado para esse fim de mundo. Ela disse que precisávamos de um tempo longe de casa, e tínhamos que sair um pouco do lugar comum. Se isso parar com as nossas brigas para mim está ótimo. Sabe, nada nesse mundo é perfeito, muito menos as pessoas, e às vezes é difícil não brigar, mesmo com quem você ama. Esse é o meu problema. Sou completamente louco por minha esposa, mas de vez em quando, aliás, muitas vezes, não consigo não discutir com ela. O meu estressante trabalho como professor de escola pública; a mãe dela que passa mais tempo na nossa casa do que eu; os vizinhos brigando o dia inteiro; em resumo o ambiente não tem ajudado. Então ela sugeriu que fossemos para a antiga casa de seu pai na tal "Montanha Solitária". Acho que o objetivo é nos isolarmos do resto do mundo assim não teremos como dizer que estamos brigando por culpa dos outros.

          Ela podia ter escolhido o Havaí! Eu aceitaria qualquer ilhazinha perdida do oceano Pacífico, Índico ou Atlântico. Qualquer lugar que não fizesse esse frio de matar. Andando do carro até o frentista do posto eu sinto meus ossos congelando, parece até que estou num daqueles filmes hollywoodianos, só que sem neve, graças a Deus. Eu sempre agradeço muito a ele por ter me feito nascer no Brasil. Acho que se tivesse nascido, sei lá na Finlândia, não tinha passado dos dois meses de idade.

          Quando peço ao frentista, Joaquim, para encher o tanque ele brinca dizendo que vai cobrar em dobro pela gasolina congelada. Essa é a parte boa desses lugares frios e isolados: as pessoas são mais quentes e acolhedoras do que as da cidade grande. Enquanto caminho para a lanchonete acendo um cigarro para ver se me esquento um pouco quando ouço uma voz grossa, meio rouca do meu lado:

          — Tem certeza que é seguro fumar em um posto de combustíveis?

          Olho meio distraído, e percebo que se trata de um policial. O cigarro cai da minha boca na hora.

          — Ah... é... seu policial eu sinto muito, vou apagar agora mesmo. — Piso no cigarro enquanto ele dá uma gargalhada.

          — Na verdade pensei em te pedir um, mas já que você está largando o vício...

Alcançando o CéuOnde histórias criam vida. Descubra agora