5. Tudo o que há em mim.

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A luz ofuscante do sol penetrava por entre o tecido leve da cortina, chegando vibrante até meus olhos. Apertei as pálpebras com toda força, repelindo a claridade desagradável, e, num átimo de segundo, me dei conta de que a claridade era um sinal de que eu estava perdendo a hora.
Abri os olhos apressada, e sentei-me no colchão, a luz ainda incomodando meus olhos, mas não dei a mínima para isso. Prendi a respiração quando vi Robert sentado no chão, encostado junto aos pés da cama, os joelhos flexionados, a cabeça meio pendida para o lado, enquanto olhava na direção da janela aberta.
Ele veio!
Um leve sorriso de alívio curvou meus lábios brevemente.
- Que horas são? - perguntei ansiosa e confusa, ao mesmo tempo em que buscava por meu celular na mesinha de cabeceira. O dia parecia claro demais para estar ainda amanhecendo.
- Dez e vinte e três! - Robert anunciou numa voz quase monótona, sem olhar para mim, e sem consultar qualquer relógio.
O que?
Ele não podia estar falando a sério. Mesmo que eu soubesse que ele não precisava de relógio para acertar as horas com precisão, não consegui acreditar que a informação que ele me dera fosse mesmo verdadeira.
Alcancei meu celular, e verifiquei o visor digital, 10:23 am.
- Dez e vinte e três? - indaguei incrédula. Aquilo só significava uma coisa. - Você não veio. - acusei, num sussurro indignado, encolhendo-me na cama.
Robert manteve os olhos fixos na claridade amanteigada que entrava pela janela e invadia todo o quarto. A luz tocava seu rosto com suavidade, intensificando a beleza de seus traços.
- Eu estou aqui, não estou? - ele disse, sua voz estava ainda mais rouca que o habitual, e também mais fria, e mais distante, como jamais estivera.
- Por alguma razão, é como se não estivesse. - murmurei, sentindo os olhos começarem a ficar úmidos demais.
Robert virou-se para mim, o rosto tomado de ressentimento.
Engoli em seco aquela imagem perturbadora.
- Por que você não veio? - sussurrei.
- Acredite, eu estava aqui, bem ao seu lado, ouvindo sua respiração, observando o leve subir e descer de seu peito, questionando os motivos que a levavam a franzir as sobrancelhas em alguns momentos ou crispar os lábios em outros. Eu estava aqui o tempo todo, mas... não me senti no direito de te despertar.
- O que? Por que não me acordou? Tínhamos um trato, lembra? Não tinha o direito de me deixar dormindo.
- Você... precisava descansar, meu amor...
- Ah, por favor, esse papo não. - joguei o lençol para o lado e saltei da cama furiosa.
- Ísi! - Robert chamou por mim, mas eu estava decepcionada o suficiente para ignorá-lo.
Caminhei apressada até o banheiro e bati a porta com toda minha força. Àquela hora Lena já estava no hospital e eu não precisava me preocupar em ser ruidosa.
Abri a torneira e joguei um pouco de água no rosto para lavar as lágrimas de frustração que manchavam minha pele sem piedade. Nunca pensei que ele pudesse fazer isso comigo. Naquele instante eu constatava que definitivamente não possuia nenhuma centelha de apelo sobre Robert.
Encarei minha imagem no espelho sobre a pia, e por pouco não saí corremdo aos berros. Eu estava horrível. Com olheiras profundas, num tom marrom arroxeado, que mais pareciam a maquiagem mal feita de um zumbi num filme de má qualidade. Meu cabelo estava embaraçado, e ressecado e armado. Eu não devia ter dormido com o cabelo molhado. Meu rosto parecia mais magro, com os ossos da bochecha mais salientes. Ou, talvez, eu apenas estivesse desolada o suficiente para não conseguir admirar meu próprio reflexo no espelho.
Peguei um elástico no armário da pia, e prendi meu cabelo num rabo de cavalo desajeitado.
Eu achei que Robert viria atrás de mim no banheiro. Que começaria a esmurrar a porta, me implorando para abrir-la e ouvir sua explicação, que se desculparia e prometeria jamais fazer qualquer coisa parecida outra vez. Acho que uma parte de mim esperava que ele fizesse isso. Mas, depois de estar ali dentro por quase dez minutos completos, e não ouvir nenhum único som dentro do apartamento, cheguei a conclusão de que talvez Robert já tivesse ido embora.
Senti o coração vacilar por um segundo, e tive que voltar a secar algumas lágrimas que insistiram em rolar pelas minhas bochechas.
Talvez fosse melhor assim.
Respirei fundo e segurei a maçaneta fria.

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⏰ Última atualização: Oct 08, 2016 ⏰

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