Natal, março de 2011
O porteiro avisou que um colega meu havia subido para o meu apartamento assim que entrei no condomínio. Estacionei o carro, tirei as sacolas de compras do supermercado, que mamãe pedira para eu fazer, e me enfiei no elevador de serviço. Aquele cubículo coberto por lona preta cheirava a chulé e papel higiênico usado.
Meus pais provavelmente não estavam em casa, mas talvez meus dois irmãos mais velhos estivessem. Átila, o do meio, tinha vinte anos e cursava Arquitetura. Apolo, o mais velho, tinha vinte e dois e estava para se formar em Engenharia Civil. "Quero continuar a empresa do papai", ele dizia. Tá, aquele baba ovo. Eu era a ovelha negra da família, a única filha que não escolhera nada relacionado à construção, nada que pudesse entrar no legado da construtora da família. Não que eu me importasse.
Bati com o cotovelo na campainha e fiquei chutando a porta até alguém abri-la. Átila, todo suado, provavelmente voltando da academia, girou os olhos e me ajudou com as sacolas. Pude escutar o barulho da televisão na sala de tevê.
— Comprou aquele suplemento que eu te pedi?
— Não, não fui lá. Você saiu de casa hoje, devia ter ido.
— Fui à academia daqui do prédio mesmo.
— Ah — arranquei um cacho de uvas do pacote e fui até a pia lavá-las. Eu adorava uvas verdes, principalmente aquelas enormes e moles, docinhas. Todas as vezes que eu fazia compras comprava pelo menos três embalagens delas.
— Aquele seu amigo ta aí — Átila sequestrou duas uvas minhas. — Lúcia nem limpou seu quarto com medo de ele atacá-la — riu.
— Bennett não faria isso com ela, ela sabe disso — balancei a cabeça, rindo também.
Coloquei as uvas no pote e fui me arrastando até o quarto. Eu quase virara a noite de tanto estudar para uma apresentação em slides na segunda-feira. Meus olhos estavam pesados e minha cabeça doía de uma forma terrível, mas eu jamais deixaria de apresentar o melhor projeto. Se tivesse algum melhor do que o meu eu ficaria com muita raiva – há séculos que ninguém superava o meu grupo na sala.
Dei uma passada no escritório e peguei a caixa de presente que tinha escondido semana passada. Era pesada, mas o conteúdo não fazia barulho. O presente fora um pouco caro, mas nada muito extravagante. Não sei se Lucas iria gostar, mas, como sempre, a expectativa era de que fosse o melhor.
Bennett estava deitado na minha cama de casal, jogando minha almofada em formato de bola de beisebol para o alto. Ele olhou e sorriu quando entrei no quarto.
— PARABÉNS! — Larguei a bolsa e esperei que ficasse de pé. Ele tirou o presente da minha mão, colocou-o na cama, e me deu um abraço apertado.
— Obrigada — agradeceu sem emoção alguma.
— Nossa, que alegria contagiante. Eu devo lembrá-lo que seu aniversário é hoje? — grunhi. Já estava começando a me arrepender de ter gasto quatrocentos reais no presente.
Lucas girou os olhos e apontou para a tevê, que até então eu não havia percebido que estava ligada. O noticiário da hora do almoço mostrava a destruição causada por um tsunami no Japão. Hoje de madrugada o país sofrera um terremoto com escala altíssima.
— É, é muito triste. Mas não acho que seja por isso que você está com essa cara de merda — garanti. — Você por acaso viu o presente que eu comprei?
— É para mim?
— Francamente, você acha que eu embrulharia um presente para eu mesma?
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Seu médico já vai atendê-la
RomanceUm conto de amor entre Amanda Mar e Lucas Bennett.