Capítulo 4

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E como eu havia imaginado, aqueles demônios do passado haviam voltado a perseguir meu amigo. Conseguia ver em seus olhos que estava apavorado, me fazendo lembrar o Gabriel de dez anos atrás, que encontrei encolhido em seu quarto, chorando baixinho, abraçado com suas pernas, enquanto balançava para frente e para trás.

Sentei-me do seu lado, não me importando de estar apenas com uma toalha cobrindo meu corpo. Ele estava curvado para frente, com os braços apoiados em suas pernas, passei minha mão direita por sua costa, em um movimento de cima pra baixo e tornei a repetir, tentando conforta-lo de algum modo. "Pensei que quando isso acontecesse eu mostraria que havia superado! Mas pelo visto me enganei. E isso é tão, tão, tão, tão frustrante, qual é já faz dez anos desde a última vez, mas é como se tudo tivesse voltado como um tsunami, quando recebi a notícia." Ele finalmente desabafa o que eu já sabia que seria dito, depois de alguns segundos de silêncio. Deito minha cabeça em seu ombro e escuto sua respiração pesada.

"O que passou, passou. Temos que focar no presente e no futuro. Sei como é difícil saber de algo que faça aquelas terríveis lembranças voltarem, mas você cresceu, é um homem maravilhoso e maduro, nada irá te abalar. Eu sei disso!" Sussurro, acariciando seus cabelos. Escuto um fungar e percebo que ele está chorando, me levanto da cama e ajoelho em sua frente.

Com os dedos em seu queixo, levanto sua cabeça fazendo seus olhos encontrarem os meus. Lágrimas deslizam por suas bochechas, com meus polegares limpo gentilmente cada uma e beijo-lhe a bochecha. "Não chore, você é mais forte que isso!"

"Diga-me que não irá acontecer de novo! Não quero passar por aquilo outra vez." Sua voz embargada vem em um tom de suplica. Sinto-me péssima, é como se tivessem enfiado uma faca no meu coração diversas vezes. Não suporto ver as pessoas que eu amo sofrer, principalmente o Gabriel que compartilhou seu sofrimento comigo, eu realmente entendo o que ele está passando agora. Seus olhos já não tem o brilho de sempre, aqueles olhos que irradiam alegria e malicia por onde passa, estão escuros, tristes e sem vida.

Não sei o que fazer, porque não posso retirar toda essa dor dele e infiltra-la em mim? Isso é tão injusto! Seria melhor deste jeito, pelo menos não iria ter que ver meu amigo nesse estado. "Não vai!" Digo finalmente. Seus olhos fitam o chão, coloco minhas mãos em seu rosto fazendo-o me encarar novamente. "Olhe para mim, vai ficar tudo bem, eu estou aqui. Seja lá o que for que tenha acontecido, eu estou aqui por você e com você!" Tento soar firme, para mostrar-lhe que estou falando sério.

Ele me encara com seus olhos tristes, respira fundo e olha para porta, como se estivesse vendo algo além de uma simples porta branca.

"Vista-se" diz baixo, encaro-o por alguns segundos e caminho até meu guarda-roupa. Escolho uma calça cinza de moletom e coloco uma regata preta, calço minha pantufa do Mickey e solto meus cabelos do elástico que o prendia. Trocar-me na frente do Gabriel não é mais um problema, desde criança somos assim, então já me acostumei. Caminho de volta para a cama e sento-me do seu lado outra vez.

Ficamos em silêncio por um tempo. Tempo suficiente para ouvir minha mãe gritar lá de baixo avisando que o jantar estava pronto, avisei que já estava descendo e tornei a ficar calada. Deitei-me na cama e encarei o teto cheio de estrelas de plásticos que colei com meu pai, quando tinha nove anos. Era algo que eu adorava muito na época, até hoje sinto um amor especial pelas estrelas. Então quando vi em uma loja tive que fazer meu pai comprar, e no mesmo dia passamos a tarde inteira colando estrelas no teto do meu quarto.

Naquela noite dormi mais feliz que em qualquer outro dia, fiquei encarando aqueles pontinhos brilhantes no teto do quarto como algo especial. Todos os dias apagava a luz do quarto e ficava fitando o quão maravilhosa elas eram. Foi então que me lembrei do que o Gabriel falou uma vez para mim, mas que droga, como consegui esquecer. ' Você ama as estrelas, seu carma é amar o que está longe', foi como se um balde d'agua gelada tivesse caído sobre minha cabeça.

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