Capítulo 3

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Pulamos seis meses e continuamos com nossa história.

O velho pastor tentara muito unir os dois irmãos, mas não conseguira. David Gray recusara-se terminantemente a fazer ou aceitar qualquer abertura. Disse que não tinha nenhum afeto por ninguém da família do irmão exceto Mary.

Mary Gray se permitira uma escapadela fortuita para uma conversa com Hugh Gregory, simplesmente para garantir a ele que, qualquer que fosse o dever que seu pai a obrigasse cumprir, seu amor por Hugh permaneceria intacto, inalterável, enquanto vivesse. Houve uma troca de retratos e madeixas de cabelos, uma despedida dolorosa e, com isso, um final. Os namorados trocavam olhares na igreja e em outros lugares de vez em quando, mas nunca trocavam palavra. Ambos pareciam apáticos e cansados da vida.5

Enquanto isso, o estranho adquiria grande proeminência. Estabelecera-se como professor de línguas, música e um pouquinho de tudo aquilo que era novo e maravilhoso para aquela comunidade perdida no interior. Durante algum tempo, continuou misteriosamente calado sobre sua origem. Mas gradualmente deixou escapar uma ou outra palavra nos ouvidos dos Gray enquanto estava convalescendo. Depois que ficou bom, suas visitas à casa eram frequentes e bem recebidas, pois tinha uma certa graça de postura típica dos bem-nascidos, que causava inveja e admiração a todos, e também uma língua capaz de fascinar uma imagem de pedra. Atraía as atenções de Mary Gray por sua gentileza, suas maneiras cheias de consideração, sua pureza de sentimentos, sua vasta cultura, sua adoração por poesia. os velhos ficavam encantados com o respeito, na verdade a reverência, que marcava sua conduta em relação a eles. Estava sempre surpreendendo o menino Tom com maravilhosas invenções em matéria de brinquedos científicos, e por isso o garoto era seu aliado fiel. Gota a gota, o senhor George Wayne - pois assim se chamava - foi se revelando confidencialmente passaram os fatos a seus amigos particulares, que imediatamente os distribuíram confidencialmente pela comunidade como um todo.6 Um dia, a senhora Gray trouxe novidades quando foi para a cama. Disse:

_ John, tive uma conversa com o senhor Wayne! O que você acha disso? Mas escute, não diga nada a ninguém... nem uma palavra, ouviu?... não deixe escapar nada nem para ele mesmo... porque ele disse que não queria que ninguém ficasse sabendo.

_ Desembuche logo, sua boba, desembuche! Não vou contar a ninguém.


_ Bom, você sabe que ele sempre se fechou em copas toda vez que alguém perguntava de que país ele era... Às vezes a gente achava que ele era italiano, depois achava que era espanhol, e uma ocasião até pensamos que fosse árabe. Mas não é. É francês. Ele mesmo me contou. E não é só isso, de jeito nenhum. A família dele é muito rica e poderosa.

_ É mesmo? Eu bem que desconfiava. Sempre disso isso cá comigo.

_ E isso não é tudo. O pai dele é nobre.

_ Não!

_ Verdade! E ele é nobre também.

_ Céus!

_ Tão verdade quanto você estar aqui deitado. Ele garantiu. É conde! Imagine só!

_ Puxa! Mas então, por que saiu de casa?

_ Deixa eu contar, vou chegar lá. O pai queria que ele se casasse com uma moça muito importante, por causa da riqueza dela e da família. Mas ele não queria. Disse que só se casaria por amor, ou então ficaria solteiro. Aí os dois discutiram... Também houve uma coisa qualquer de política misturada. Ele era contra o rei, ou o imperador, sei lá, e descobriram, e ele teve que sair do país. Ele não pode voltar para lá durante dois anos... até que passe o tempo da lei... que é para não ser mandado para a prisão e ainda ter que pagar um dinheirão.

O senhor Gray se sentou na cama, animadíssimo:

_ Minha velha, quero cair aqui mortinho se eu já não me disse umas 40 vezes: "Esse cara na certa é um rei ou uma coisa assim..." E é mesmo, Deus do céu! Eu sabia! Alguma coisa estava me dizendo isso o tempo todo. Mas isto é uma sorte!

_ Bem, de minha parte, eu sempre achei também que tinha alguma coisa fora do comum e importante a respeito dele.

_ Velha – disse ele, abaixando a voz –, você não reparou? Ele está de olho na nossa Mary. Vai dizer que você não sabia?

_ Bom, já que você falou nisso, eu meio que tinha achado, às vezes... mas ele sendo tão importante assim, e tão rico...

_ Não ligue para essas coisas. Ele não disse ao pai que jamais ia se casar se não fosse por amor? Pois então. Trate de apoiá-lo, é só isso. e eu vou cuidar do assunto, pode apostar.

_ Mas, marido, ela mal está se recuperando do coitado do Hugh... e se pudesse mesmo de verdade, eu preferia que...

_ O coitado do Hugh que se enforque! Daquele ela escapou por pouco. Na última hora. Você quer fazer tudo o que puder para a sua filha, não é? Pois eu também. Imagine só, ela sendo esposa de um nobre como esse! Não sabe que ela não vai ficar se lembrando por muito tempo do Hugh Gregory? ... Mas é claro... Me diga uma coisa: qual é o verdadeiro nome dele?

_ Pelo amor de Deus, marido, você não pode contar a ninguém. É conde Hubert dee Fountingblow. Não é um nome lindo?

_ Claro que é! Imagine se eu não ia gostar de ter um nome desses. John Gray! Meu nome não vale nada. Escute aqui, Sally, não deixe escapar essa palavra sobre essa história dele ser conde. Nem uma palavra, está ouvindo? Tudo quanto é moça, num raio de 60 quilômetros, ia ficar atrás dele.

Conversaram um pouco mais. Depois, aos pouquinhos, a conversa foi mudando e caindo na relação do conde com Hugh Gregory. Parecia que os dois tinham ficado bem amigos e se visitavam com freqüência. A senhora Gray contou que ouvira dizer que o conde já tentara várias vezes fazer as pazes entre Hugh e o velho David Gray, mas nunca conseguira. David tinha gostado do conde e gostava de recebê-lo no escritório para conversar, mas continuava firme em sua recusa de aceitar o jovem Gregory.

Pouco a pouco, o senhor e a senhora Gray foram parando de conversar e começaram a cair no sono. Nesse ponto John Gray se levantou de repente e cochichou no ouvido da mulher, com voz rouca:

_ Escute aqui, Sally, tem mais uma coisa. Desde o dia em que eu encontrei o senhor Fountingblow lá na neve, todos nós ficamos em cima dele, de um jeito ou de outro, para descobrir como é que ele tinha chegado lá sem deixar pegadas... mas ele sempre se fecha em copas e muda de assunto quando a gente chega nisso. Então me diga: como foi que chegou lá? Ele não contou?

_ Não. Só disse que prefere contar na hora certa. Disse que a história poderia se espalhar e ele tem suas razões para não querer que ninguém saiba. Mas prometeu que a nós, um dia, ele conta.

_ Bom, se não tem outro jeito, vai ter que ser assim. Vou ter que aguentar um pouco mais, mas fico morrendo de curiosidade.

Um Assassinato, Um Mistério e um CasamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora