Por volta das dez horas da manhã seguinte, o conde entrou na casa de John Gray, cujo coração se alegrou de novo. Sua Senhoria tinha um ar cansado, gasto e exausto. Disse:
_ A ausência desta casa é uma desgraça, só aqui existe felicidade! Meu coração está faminto... Quero ver Mary!
Seu pedido foi prontamente atendido. Mary veio,os outros se foram. O conde disse:
_ Oh, eu tinha que vir... Não consigo viver onde você não está! Tentei tanto... por amor a você... desistir, mas estava além das minhas forças. Olhe para mim. Contemple cada fio de cabelo de minha cabeça e em cada traço de meu rosto uma testemunha das torturas que suportei. Vim para me jogar a seus pés e pedir clemência, suplicar sua compaixão, implorar pela minha vida. Não posso viver sem você. Tentei tanto, tanto mesmo, mas é cruel e não consegui. Tenha pena de mim.
A compaixão de Mary foi atingida em profundidade, e suas lágrimas caíram como a chuva. Tentou dizer coisas consoladoras. Ele respondia com juras apaixonadas. E assim continuo o doloroso combate, até que John Gray irrompeu na sala, exclamando:
_ David foi assassinado! Hugh Gregory foi preso por isso!
Mary desmaiou.
O dia inteiro, o vilarejo ficou num tumulto. Todas as atividades foram suspensas. Uma multidão ficou parada por horas diante do escritório de David Gray, falando no assassinato, e esperando pacientemente por uma oportunidade fortuita para entrar e contemplar o lúgubre espetáculo lá dentro. O morto jazia num mar de sangue. A mobília revirada mostrava que tinha havido luta. Sobre a escrivaninha, estava uma folha de um formulário legal, na qual David Gray começara a escrever uma frase que não vivera para concluir:
"Eu, David Gray, em perfeitas condições mentais e..."
Ao lado do cadáver fora encontrado um fragmento de tecido que se encaixava exatamente com um canto vazio da aba do paletó de Hugh Gregory. Várias pequenas gotas de sangue haviam sido encontradas nas calças de Hugh. E lá estava a frase de abertura de um testamento que iria varrer para sempre a fortuna em perspectiva da moça que Hugh Gregory esperava desposar um dia. Murmurava-se que o pai de Hugh, nos últimos tempos, vinha se metendo numa situação financeiramente complicada. O encontro da véspera era rememorado e dissecado por todos. Alguém lembrou uma coisa que Hugh dissera certa vez, que se David Gray continuasse a insultá-lo, "um dia podia ser a gota d'água".
Era óbvio que Hugh Gregory era o assassino. Todos admitiam isso e lamentavam o fato. Entretanto, a maioria das pessoas acreditava que ele não fora movido por nenhum impulso sórdido, mas por um incontrolável desejo de vingança, após uma longa e contínua série de injúrias. Hugh declarou sua inocência com toda a firmeza, diante do acúmulo fatal de provas circunstanciais que o apontavam como criminoso. Sua declaração de inocência tinha tal aparência de honestidade que alguns dos moradores do povoado chegaram até a ter suas crenças abaladas por uns instantes, mas só por uns instantes; pois lá pelo meio da tarde uma faca ensanguentada, que todos sabiam muito bem que pertencia a Hugh, foi encontrada, muito bem escondida no pé de sua cama - uma manchinha vermelha insignificante chamara a atenção para o pequeno rasgo que fora feito com o propósito de admitir a faca no interior do colchão de penas.
Agora, não havia ser humano que ainda acreditasse na inocência de Hugh Gregory, exceto Mary Gray, e até mesmo a confiança dela estava diminuindo. Hugh lhe mandou uma carta implorando que tivesse fé em sua falta de culpa, pois com certeza Deus iria revelá-lo em Seu momento, com Sua imensa misericórdia. Mas essa carta caiu nas mãos de John Gray e não seguiu adiante. Durante vários dias, desesperada, Mary esperou pela resposta a um bilhete que escrevera a Hugh, implorando por uma palavra de consolo. Mas nenhuma resposta veio... até ela. Tommy Gray prometera que daria um jeito para que a carta de Mary chegasse a Hugh, e cumpriria sua missão. Mas o Gray velho não tirava os olhos do menino: capturou a resposta e aterrorizou o garoto a tal ponto, que ele se dispôs a contar a Mary que Hugh amassara seu bilhete nas mãos e declarara que, se ela realmente o amasse, estaria movendo céus e terras para tirá-lo dali, em vez de jogar fora um tempo precioso com perguntas sobre sua culpa ou inocência.
Seguiram-se vários dias e noites de angústia, sem qualquer consolo para a moça, a não ser o que eventualmente pudesse aceitar das atenções gentis e palavras amáveis do conde. Finalmente, ela desistiu de toda e qualquer esperança, resignando-se à amarga convicção da culpa de Hugh. Sua mãe estava convencida da mesma coisa. E então o nome de Hugh Gregory deixou de ser mencionado naquela casa.
Entretanto, Mary constatou que o crime não matava o amor. Ela ainda amava Hugh Gregory - era um amor que não diminuía. Mas nunca poderia casar-se com ele, disse. Agora aceitaria o que viesse, disse. Não ligava mais para aquilo que o destino pudesse lhe reservar.
À medida que as semanas se passavam, foi aprendendo a gostar do conde, pois era mais em companhia dele do que de qualquer outra pessoa que ela ainda conseguia chegar mais perto de algum descanso.
Seria muito logo contar as súplicas, juras e depressões que finalmente acabaram vencendo a resistência de Mary Gary e a levaram a consentir se casar com o conde Fontainebleau. A posse da riqueza que veio para as mãos de Mary com a morte do tio - e, assim, para toda a família - apenas acirrou o desejo paterno de ascender ainda mais e se associar à nobreza estrangeira. A questão de fixar a data começou a ser discutida. Mary disse, desanimada:
_ Escolham qualquer dia. Para mim tanto faz. Só me deem um tempinho para descansar antes.
Foi marcado o dia 29 de junho. Seria uma cerimônia íntima, na casa de John Gray. E desde o dia em que isso ficou resolvido, Mary Gray deixou de sair de casa e de ver qualquer pessoa que não fosse da família ou o conde. Na presença dela, ninguém fazia qualquer referência às novidades ou aos mexericos do povoado. Uma única coisa prometida pelo futuro tinha algum interesse para ela. Tinham lhe garantido que o julgamento de Hugh seria adiado por um ou dois anos por meio de manobras de advogados, e que provavelmente ele não sobreviveria tanto tempo, pois sua saúde já estava lhe faltando.
Mas, na verdade, o julgamento veio muito rapidamente, e esse fato dói ocultado de Mary. O veredicto de culpado foi proclamado a 22 de junho. O dia marcado para o enforcamento foi 29... justamente o dia do casamento.
Que confusão! O que se podia fazer? Adiar o casamento? Não. Não seria necessário. Todo o vilarejo estava fervendo de preocupação.David Gray fora geralmente detestado, Hugh Gregory universalmente amado. A expectativa era de um veredicto apenas de homicídio involuntário e pena de prisão. Mensageiros já estavam se despencando pelo país afora em direção a capital. Sem dúvida haveria uma suspensão da pena, possivelmente um perdão. Então, por que adiar o casamento? Mary não sabia nada do veredicto, nem mesmo do julgamento.8
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Um Assassinato, Um Mistério e um Casamento
De TodoOs autores clássicos nunca saem de moda - e esse é o caso de Mark Twain, o grande clássico da literatura infanto-juvenil dos Estados Unidos. O jovem Twain precisou trabalhar muito cedo e logo inventou uma maneira diferente de escrever para ganhar a...