Mark Twain: um autor clássico que gostava de inventar

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Há alguns anos escritores que são considerados clássicos

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Há alguns anos escritores que são considerados clássicos. Quer dizer, nunca saem de moda. São sempre interessantes, e mesmo que a gente leia e releia os livros deles muitas vezes, acaba sempre encontrando alguma coisa nova. No Brasil, por exemplo, o grande clássico da literatura infanto juvenil é Monteiro Lobato. Nos estados Unidos, é Mark Twain.

Quando Mark Twain nasceu, em 1835, numa cidadezinha à margem do Mississipi - o maior rio da América do Norte - , ninguém podia imaginar que aquele menino um dia iria ser um grande autor de livros para jovens. Até mesmo porque não existia esse conceito de literatura infantil e juvenil. No máximo, as crianças ouviam e liam contos de fadas, cantigas e fábulas ou histórias que ensinassem uma lição. Mas alguma história divertida, passada numa realidade próxima dos leitores, com personagens semelhantes a eles? Isso era coisa que ainda precisava ser inventada. Pois Mark Twain ajudou a inventar. Aliás, ele era mesmo um pioneiro, um grande inventador de moda. Não só porque foi o primeiro escritor em toda a história a mandar para uma editora os originais de um livro todo datilografado, numa época em que todo mundo escrevia à mão, mergulhando a pena de caneta num tinteiro. A invenção principal de Mark Twain foi o muito mais importante. Muitos escritores respeitadíssimos - como Ernest Hemingway, que mais de um século depois ganharia o Prêmio Nobel da Literatura - garantem que toda a literatura norte-americana começou mesmo com os livros de Mark Twain, porque ele era capaz de observar bem a paisagem, as pessoas, as situações à sua volta, e contar tudo o que via em seus livros. Mas também tinha outra coisa, muito importante num escritor: o estilo, a maneira de escrever. Ele usava a linguagem de uma forma em que as pessoas se reconheciam, porque era o jeito mesmo que elas falavam todo dia nos Estado Unidos e não com os termos difíceis que os escritores da Inglaterra usavam e as escolas ensinavam. Mais ou menos como se fazia no Brasil nesse tempo, em que queriam que a gente copiasse a linguagem de Portugal, igualzinha, já pensou? Ainda bem que sempre apareceu algum escritor para ajudar a dar um jeito nisso.

Mas, na infância do menino Samuel Clemens (que depois ia inventar um nome novo, Mark Twain), nada indicava que ele ia ser um escritor nem famoso. Era um menino comum, que dividia o seu tempo entre as brincadeiras, os amigos, a casa e o colégio. No começo da adolescência foi que a vida lhe deu um tranco. Quando estava com 12 anos, seu pai morreu, e ele teve que sair da escola para trabalhar e ajudar a sustentar a família. Era o começo de uma longa vida de trabalho, em que teve muitos empregos e profissões diferentes. Em todos eles foi aprendendo alguma coisa que mais tarde usaria em seus livros. Começou como aprendiz de tipógrafo, para um jornal. Como sempre tinha gostado muito de ler, estava acostumado com a escrita e foi desenvolvendo também um jeito de escrever bem. As coisas que ocorriam com os habitantes das pequenas cidades ficavam parecendo acontecimentos interessantes. Sempre que possível, com um toque divertido. É que Mark Twain não seria apenas um ótimo escritor, mas também um grande humorista - mais tarde, fez muito sucesso percorrendo o país em apresentações que lotavam auditórios e levavam a plateia às gargalhadas.

Chegou um momento, porém, em que ele não se satisfazia mais com as viagens nos livros e nas barcas que subiam e desciam o rio. Resolveu ser um pintor ambulante e saiu viajando por terra, conhecendo várias cidades do país. Nessa época, ouviu falar no Brasil e resolveu vir para cá, em busca de aventuras e fortuna. Nas vésperas da viagem, porém, mudou de planos porque encontrou um piloto de barco no Mississipi que lhe ofereceu um emprego que era o seu sonho de menino. Largou tudo e aceitou: foi ser barqueiro durante seis anos. Conheceu então todo tipo de gente.

Nessa época, os Estados Unidos debatiam a questão da escravidão. Os estados do Norte se industrializavam, precisavam de quem comprasse os produtos que fabricavam, defendiam que os trabalhadores recebessem salários. Por isso entravam em choque com os estados do Sul, que viviam da agricultura baseada no trabalho escravo. O país acabou entrando numa guerra civil. Mark Twain passou uma temporada no Exército, e depois foi para o Oeste, para ver se encontrava ouro. Não achou ouro nenhum, mas comprou parte de uma mina, comerciou com madeira, e se meteu em uma porção de coisa diferente sem conseguir ganhar dinheiro. O jeito era de sobreviver era fazer o que sabia: volta e meia escrevia alguma coisa para algum jornal. Uma dessas histórias, de 1867, sobre um concurso de rãs saltadoras num lugarejo perdido do interior, era tão divertida que foi se espalhando de uma cidade para outra. Fez  o maior sucesso em todo o país, e ele começou a ser convidado para publicar novos contos e fazer conferências em toda parte, até mesmo na Europa. E virou escritor profissional, podendo viver das histórias que inventava.

A partir desse momento, os livros se sucederam. Vários livros de contos, romances históricos, e os grandes sucessos juvenis, com as aventuras de Tom Sawyer e de Huck, que iriam consagrá-lo para sempre. Histórias que celebravam a liberdade e criticavam a hipocrisia.

Este livro que você vai ler agora é posterior. E é uma novidade. Embora Mark Twain tenha morrido em 1910, esta novela estava inédita até 2001. O manuscrito de Um Assassino, um Mistério e um Casamento ficou perdido por uns tempos e, quando apareceu, teve que passar por uma atribulada luta judicial entre os herdeiros e dois homens que o tinham comprado em um leilão. Só agora é que está sendo publicado. Você está sendo uns dos primeiros a ler.

É uma história muito divertida. A ideia para ela surgiu de uma brincadeira que Mark Twain quis fazer com outros escritores. A proposta era apresentar um resumo do tema para vários deles, e cada um o desenvolvia à sua maneira. Como numa aula de redação. Mas isso acabou não dando certo e só ele escreveu sua versão, que você vai ler. Exatamente como o título promete, é a narrativa de acontecimentos que levam a um casamento, passando por um assassinato e um grande mistério. A história se passa numa cidadezinha do interior americano, entre criadores de porcos e velhos rabugentos ou gananciosos. Trata do romance entre dois jovens e dois problemas trazidos por um forasteiro que ninguém sabe de onde veio nem como chegou ali de repente, sem nenhuma condução que o transporte. O mistério é intrigante e a gente fica lendo rápido, sem conseguir parar, querendo descobrir a solução logo, mas sem conseguir imaginar qual pode ser.

Além de que a própria história ser interessante, com personagens que parecem gente de verdade, ainda há outro aspecto delicioso. É que Mark Twain adorava ler, como já vimo. Em vários de seus livros, ele gosta de brincar com o que tinha lido nas obras de outros escritores, fazendo referências a outros autores. Hoje em dia isso não é muito surpreendente, é até mesmo uma característica da literatura atual. Tem gente que chama de intertextualidade, porque é uma espécie de conversa entre textos. Muito moderno. Mas, na época de Mark Twain , fazer isso era espantoso. Foi outra das coisas que ele ajudou a inventar.

Neste livro, o autor com que ele resolve brincar é o francês Júlio Verne, outro clássico da literatura juvenil, autor de A Volta ao Mundo em 80 Dias e muitos outros livros. E, pelo jeito, Mark Twain não gostava muito dele. Implicava, mesmo. Achava que seu colega francês era um exagerado e tinha vontade de mandá-lo para o inferno. Mas sempre sem xingar, com muita elegância, com seu senso de humor muito especial. Leia com atenção e veja se você descobre, no final, as pistas dessa má vontade de Mark Twain em relação a Júlio Verne. E depois responda: será que o título do livro está certo ou na verdade são dois assassinatos?

Um Assassinato, Um Mistério e um CasamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora