Cinza

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Eu estava sentindo meus joelhos estralarem... Sério, a dor era insuportável.

A lama já havia atingido mais da metade da minha roupa: O que era para ser um jeans velho azul e surrado, agora era só velho e surrado porque de azul mesmo só a lembrança...

Minhas mãos pareciam nervosas... Toda hora buscando meus cabelos para acariciar, para tocar. Como se intimamente meu corpo quisesse provar que estava vivo e que isso não era um coma alcóolico.

Eu queria chorar... Queria muito. Mas as lágrimas não desciam, não ainda.

A garganta ardendo, o céu cinza limpo sem uma única gota de chuva...

Meu Deus por que me abandonaste? Por que sumiu assim das minhas preces?

Preces...

Há quanto tempo não rezo?

Isso não importa. Rezar agora não resolverá nada. Já estou no Inferno.

Não sei que horas são... Não sei se é dia ou noite. O lamaçal cinza cobre tudo a minha volta e até mesmo as árvores parecem estar chorando de desespero ao terem seus troncos consumidos por essa terra pegajosa, difícil de lidar.

Estou me arrastando, literalmente, há dias em busca de uma nova estalagem ou de pelo menos mais alguém para conversar. A fome está me corroendo tanto que parece que meu estômago vai entrar em frenesi.

Deitei no chão lamacento um minuto, para respirar. Cinza. Céu cinza. Chão cinza. Mãos? Cinzas. Cobertas de lama e de ferimentos... Tudo dói. Meu corpo inteiro sangra em pequenos arranhados... Ai meus pés, que dor.

Resolvi tirar as botas para ver o resultado de tanto andar e lá estavam: as unhas sangravam incessantemente e um líquido vermelho-negro insistia em cobrir cada ferimento dos meus pés. A dor era quase insuportável. Quase.

Meus ouvidos estavam treinados para ouvir qualquer barulho que fosse, qualquer sinal que de vida.

Fechei os olhos e tentei imaginar o que eu fiz em vida para merecer estar aqui.

Nada. Nada.

Os rostos ainda estavam completamente embaçados, o riso feliz da minha mãe brincando com meu pai na sala de estar estava cada vez mais distante... Parecia no fim das contas que eles eram um sonho bonito.

Ah meu irmão... Meu irmão querido. Cabelos castanhos bagunçados, sardas perto dos olhos claros... Aquele sorriso largo... Mas seu rosto estava ainda muito longe, guardado em algum canto longínquo das minhas lembranças.

Que saudade de você.

Que saudade!

Meus olhos começaram a marejar finalmente demonstrando que ainda sou humana. Existe um pouco de humanidade nesse monte de trapo afinal!

O braço direito começou a formigar muito, a dor era forte... Eu sentia como se ele estivesse perdendo as forças e mandando pontadas de dor aguda pro meu coração.

Ai que dor!

Estava me contorcendo com a mão esquerda agarrada ao peito... A direita não se movia mais, estava entregue á algum tipo de pressão sinistra... Como se muitas agulhas estivessem perfurando ela. Ou talvez uma faca? Era isso, me lembrei de uma faca bem pontuda na minha frente.

Minha cabeça está rodando agora, em torpor absoluto.

"Está tudo bem com você, moça?"

Era meu sonho. Era o meu sonho falando comigo, só podia.

BlessedOnde histórias criam vida. Descubra agora