Estávamos caminhando pelas ruas de pedra da cidadela fazia algum tempo. Caio andava na nossa frente pulando e interagindo com as pessoas que encontrávamos enquanto eu e Ariel estávamos andando duramente um ao lado do outro, calados.
Já estava sentindo a sola dos pés machucarem devido as pedras cinza e afiadas do chão e o incômodo estava se fazendo visível porque Ariel me emprestou seus sapatos.
Admito, era difícil andar com chinelos bem maiores que meus pés, mas pelo menos parei de sentir rachaduras se abrirem na minha pele.
"Ele parece estar bem feliz" rugiu entre os dentes.
"Provavelmente porque se trata de uma criança muito positiva" respondi. Ariel finalmente quebrou o silêncio e eu não sabia muito bem como reagir nesse momento. Na verdade, desde que saímos do restaurante eu não sei como agir. Caio e Ariel caíram numa risada amarga depois daquela discussão e resolveram me mostrar a cidade: Pelo que entendi ambos são amigos de longa data.
"Como veio parar aqui?" sussurrei. Minha voz teimosa não quis sair no tom planejado.
"Deus quis assim. E eu também".
Resposta curta e seca. Engoli com dificuldade depois dessa.
"Olha, olha! Ali fica a fonte da cidade" Caio parecia empolgado enquanto apontava para uma enorme fonte feita de pedra por onde uma água ligeiramente lamacenta parecia transbordar. Era realmente assustadora: escultura de pessoas com asas de morcego que pareciam sofrer muito pelas suas expressões, a água saia de seus olhos e boca abertos. Senti-me mal de visualizar...
Muitas pessoas (muitas mesmo) pareciam rodear o lugar e brigar por um canto onde poderiam beber aquela água suja e limparem a lama de suas roupas já muito esfarrapadas... Ariel tomou a frente e pegou na minha mão, abrimos caminho pelas pessoas e chegamos até a fonte.
"Beba" seu olhar frio em cima de mim me fez corar. Ele queria mesmo que eu bebesse aquela água imunda?
"Obrigada, estou sem sede" respondi apreensiva, observando mais de perto aquelas pessoas que mais pareciam animais.
"Não é um pedido. Beba. Seu corpo precisa de água, mesmo que seja essa" ele então uniu suas delicadas e compridas mãos, pegou uma poça daquela água acinzentada e começou a beber – embora sua expressão não fosse de que estava gostando.
Caio estava longe de braços cruzados nos observando, ele realmente parecia estar se divertindo com a situação. Seu sorriso de canto de boca me incomodava.
Fiz a mesma coisa que Ariel e minhas mãos empoeiradas e machucadas sentiram pela primeira vez em algum tempo a sensação de tocar na água. Comecei a beber alguns goles que não pareciam satisfazer meu corpo, quando percebi estava debruçada na fonte bebendo como um animal e tentando lavar meu rosto e mãos.
Assim que dei por mim e consegui parar com aqueles gestos humilhantes olhei para cima. Ariel estava me observando com uma expressão de curiosidade, mas não disse uma única palavra. Levantei, sequei minha boca com a manga da blusa e tentei me recompor.
"E agora, para onde vamos?" gritou Caio de longe me fazendo pular de susto novamente.
Ariel dessa vez não segurou minha mão, simplesmente começou a abrir caminho e seguir na direção do Caio enquanto eu procurava segui-lo.
"Eu estava pensando, podemos procurar uma casa de apostas. Tenho certeza que ela vai adorar jogar um pouquinho" o olhar de Caio estava sob o meu... Aquela expressão indecifrável, mas que me arrepiava e eu não entendia por que... As palavras casa de apostas parecem ter acendido algo no meu coração. Uma lembrança misteriosa e com certeza nada agradável.
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Blessed
SpiritualPor que alguém simplesmente acordaria no Inferno? O que te levaria para lá? Quais lembranças buscar? E o pior: Por onde começar?