- Merda!
Coloquei a chave na fechadura e nem precisei girar, ela já estava aberta. A cabeça não andava boa já tinha um tempo, mas sair de casa e não trancar a porta era muita bobeira. Não estava voltando de mais uma noitada inesperada que justificasse sair tão afobado. Não, muito pelo contrário. Quando fui para a rua disposto a resolver algumas coisas nem eram onze da manhã. Como não estava apressado, não fazia sentido ter cometido esse deslize. Talvez a hora explique a distração, afinal estar acordado tão cedo é sempre uma boa desculpa. Ok, dez da manhã não é muito cedo, só que, para os meus padrões, o horário é equivalente ao de um assalariado convencional.
Pois bem, lá estava eu seis horas depois que deixei a minha casa inteiramente vulnerável. Afinal, para quem não sabe, o trinco da maçaneta está quebrado, logo, ou você tranca com chave, ou qualquer sopro faz a porta se abrir. Como não tranquei, com o mínimo esforço, empurrei a porta com a ponta do dedo indicador. A sala que agora se revelava era bem diferente da que quando saí pela manhã.
- Merda!
Bagunça e caos na minha sala. Era exatamente o que esperava encontrar, porém me deparei com o oposto, uma sala com tudo no lugar. Nada de cobertor largado no sofá, livros entreabertos por todos os lados, garrafa de vinho vazia no chão e camisas no encosto da poltrona. Alguém esteve por aqui. Ou melhor, alguém ainda estava por aqui, pois nenhum daqueles dois quadrúpedes louros que moram comigo estavam à porta me esperando. Talvez fosse a faxineira. Não, era uma terça-feira e ela só aparece às quartas-feiras.
Talvez não devesse dizer isso, pois todos diriam que era algo previsível, mas eu tenho um péssimo hábito de dar cópias da chave da minha casa para metade da cidade. Portanto, cedo ou tarde era esperado que alguém aparecesse na minha casa sem ser chamado. Bem, poderia ser pior. Alguém sem ser chamado chegar à minha casa em um momento inoportuno. Não era o caso, o qual confesso que ainda assim pode ser pior ainda. Essa pessoa ser alguém que eu não queria ver em hipótese alguma. Pois é, não bastante o complexo de São Pedro solidário, tenho o terrível defeito de não pedir de volta a chave quando não faz mais sentido. Isto é, alguns desafetos meus, que provavelmente desejam muito o meu mal, podem com facilidade entrar na minha casa. Fui para o quarto esperando o menos pior, algo como uma cabeça de cavalo em minha cama.
- Merda
- Você é muito desbocado!
A cena era impressionante. Acho que, assim que terminei de pronunciar a última vogal, fiquei com a boca aberta por quase dois minutos. Frio na barriga, pernas tremendo, a terrível sensação de não saber o que fazer e um instantâneo flashback na cabeça para entender por qual motivo seria merecedor daquilo. Lá estava ela deitada na minha cama. À primeira vista, era uma imagem Nabokoviana. De bruços, com os pés cruzados para o alto e com o corpo posicionado de maneira invertida em relação à cabeceira, era a personificação da tentação que ela sempre foi para mim. Um dos meus gatos dormia ao seu lado, o outro, acordado, recebia cafunés na barriga. Que inveja dele. As unhas dela têm poderes inexplicáveis.
- Você – fiz uma pausa para ainda me recuperar da cena. – Você arrumou a minha sala?
Ela se levantou da cama e a covardia se fez por completa. Short jeans desfiado curto, apenas meias nos pés e uma T-Shirt com golas, mangas e barra cortadas, bem larga e despojada. A tatuagem ao lado do peito escapando pela lateral da blusa como um sol que invade pela fresta da cortina foi o golpe de misericórdia. Ela estava do jeito que adorava e assim me quebrava as pernas. Aliás, do jeito que ela sabia que eu adorava e assim, propositalmente, me quebrava as pernas. Mesmo sendo uma das melhores cenas da minha vida, sabia que em poucos minutos estaria totalmente fodido. Nada sai impune ao ver sua musa te esperando de uma maneira rusticamente sexy em sua cama. Não comigo, pelo menos.

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Short StoryUm homem com a fraqueza por mulheres, bebidas e arruinar a própria vida. Nove mulheres, nove histórias, nenhuma cronologia. [EM CONSTRUÇÃO - 5 de 9]