Carina

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- Você quer ficar solteiro para sempre?

A pergunta da Carina percorreu todo meu sistema nervoso como se fosse um fantasma arrastando correntes por uma casa assombrada. Gelei e nenhuma outra reação era possível.

Nós homens nascemos com alguns defeitos de programação de fábrica que nos fazem reagir de maneira exagerada a algumas situações inocentes. É algo inerente por mais que reconhecemos. Basta fazer um teste com seu companheiro. Quando ele estiver na sala distraído, por exemplo, grite do quarto algo como:

- O QUE É ISSO, PEDRO HENRIQUE?

Estou supondo que ele se chame Pedro Henrique. Do contrário, aí você que vai ter um problema. Enfim, ao gritar isso, mesmo que o dito cujo não tenha culpa no cartório, instintivamente, sob efeito de algo mais forte, ele se tremerá todo, gaguejará e, não me surpreenderia caso chorasse pedindo desculpas enquanto se encaminha engatinhando para o quarto.

Algo do tipo já aconteceu comigo certa vez. Estava dando aula pela primeira vez para uma turma de primeiro período. Toda aula é sempre a mesma coisa, um aluno ou outro fica ao final para falar algo, útil ou não. Na maior parte das vezes, são lamentações gratuitas. Em turmas de primeiro período, inevitavelmente, por cautela ou excesso de respeito, os alunos costumam me chamar de senhor, professor, mestre ou algo do tipo. Naquele dia, uma aluna, mais velha que a média, algo em torno de uns vinte e cinco anos, ficou por último para falar comigo. Ela começou a conversa com:

- Preciso falar com você.

O pronome informal derrubou qualquer barreira que me deixaria ressabiado com as famosas lamentações de primeiro dia de aula. Pior ainda, criou um falso ar de intimidade entre os dois. À vontade, deixei que a aluna prosseguisse. Foi quando que ela sapecou:

- Estou grávida.

As minhas pernas fraquejaram. A pele, sempre branca, ficou da cor de uma vela. O suor surgiu abruptamente na testa. E dentro da minha cabeça ouvia a banda do Programa do Ratinho tocando "Parabéns pro papai!". O desespero aflorava cada vez mais quando finalmente me toquei que nunca tinha visto aquela menina até então. Tudo não passava de mais uma reação exagerada por conta do nosso defeito de programação original.

Voltando à pergunta da Carina. Fui pego de surpresa. Não esperava que um dia ela tocasse nesse assunto. Quando a conheci, me alertavam que ela precisava de escolta. A garota não marcava bobeira. Chegava junto e na pressão. Era daquelas que se você piscasse, ela te sacudia e só se daria por si quando estivesse estirado em um motel, com ela sentada à beira da cama se penteando e te apressando para pedir a conta, pois não quer perder o capítulo da série sobre as Kardashians. É, ninguém é perfeito. Evitei-a em algumas oportunidades para não ter dor de cabeça, até que um dia foi inevitável. Numa madrugada de dia de semana, Carina apareceu bêbada debaixo da minha janela gritando meu nome. Algo precisava ser feito antes que os vizinhos reclamassem. Ou me chamassem de frouxo. Deixei que entrasse e obviamente que o bicho pegou. Sem cerimônias, ao final, ela tomou um banho e foi embora. Mantivemos até então uma relação que não sei ao certo como classificar. Era quase que um delivery reverso. Ela ligava, perguntava se estava disponível e vinha ao meu encontro. Satisfeita ou com a tarefa razoavelmente encerrada, pois não vou mentir que sempre dou conta da libido dela, ela ia embora e a vida seguia.

Era uma dinâmica tão bem resolvida e prática que não tinha motivos para mexer naquilo. Eu mesmo tentei dar um toque especial algumas vezes. Em uma delas, chamei a Carina para comer uma coisa na rua antes. Ela dispensou. Nada em público. Para ela, nossa relação se limitava ao meu quarto. Noutra, propus um vinho antes. Foi rapidamente colocado de lado por ela. A possibilidade de um dos dois cair bêbado ou ter de lidar com uma ereção capenga por motivos alcoólicos fizeram Carina manter o protocolo objetivo. Nada fugia da rotina que era chegar, um agarrava o outro, tirávamos a roupa, transávamos como dois babuínos no cio e, se ela estivesse com uma folga de tempo, um papinho depois, do contrário, banho e ia embora.

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⏰ Última atualização: Mar 31, 2017 ⏰

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