O sol estava alto quando Kathlin saiu do galpão onde se abrigara durante a noite. Teve sorte dessa vez, mas prometeu a si mesma que nunca mais entraria em algum abrigo, qualquer que fosse, sem antes verificar se havia alguém ou não. Por sorte o galpão industrial tinha compartimentos que poderia facilmente se esconder, caso surgissem vândalos ou gangues. Além disso, aprendera a ser silenciosa suficiente para se fazer invisível. Habilidades muito importantes no novo estado do mundo.
Agora queria simplesmente comer alguma coisa. Antes de sair do esconderijo certificou-se que o lugar estava limpo de pessoas ou de mortos-vivos. Primeiro escutou atentamente os sons ao seu redor. Nada além de uma goteira de óleo que vazava de algum galão rachado. O cheiro de metal e graxa eram os únicos odores que conseguia sentir, o que significava que os zumbis estavam longe dali. Humanos costumavam ser barulhentos quando em bando, uma forma de marcar território e assustar oponentes fracos. Já os zumbis fediam carniça. Então, o máximo que poderia encontrar é algum desavisado que enfrentaria facilmente se estivesse sozinho.
Apesar de receosa e atenta, ergueu a tampa do alçapão sob o duto de ar onde dormira e desceu as escadas para o pavilhão que se estendia pelo galpão. A linha de montagem de peças metalúrgicas parecia parada no tempo, como se a qualquer momento funcionários fossem entrar batendo seus cartões e reiniciassem a jornada de trabalho abandonada na noite anterior. A única coisa que denunciava o tempo em que aquela pequena fábrica estava parada eram as teias de aranha e a poeira.
Hesitante, a jovem esgueirou-se pelas sombras dos maquinários e foi procurar o refeitório. Difícil encontrar alimento ainda comível após tanto tempo, mas se houvesse algo seco, ou em pó, poderia fazer uma refeição quase normal. Café, açúcar, farofa ou até mesmo algum tipo de enlatado. Não demorou a encontrar o que procurava. O refeitório era menor do que ela esperava, mas achou café. Estava numa lata de marca importada, mas com tantos furos de ferrugem que ela imaginou que seria melhor procurar um rato para assar. Pelo menos seria comida fresca.
Um espelho na porta do refeitório obrigou Kathlin a se observar. Estava péssima. Os cabelos tinham crescido tanto que agora só com uma trança dando a volta pela cabeça é que conseguia sentir-se menos desarrumada. Alguns fios brancos começavam a aparecer. Era jovem ainda, tinha vinte e três anos, mas sua mãe sempre lhe ensinara que a preocupação e o estresse faziam surgir fios brancos antes da hora. Talvez ela estivesse certa, afinal, tranquilidade era o que a garota menos tinha desde que a epidemia transformou o mundo, há dois anos.
Ela se lembrava, às vezes, como em um sonho distante, do cotidiano que vivia. As horas gastas na internet, lanches da tarde com colegas após a faculdade que sequer conseguira terminar, ou os passeios pelo shopping para ver um filme ou paquerar garotos. Era como se tudo aquilo fizesse parte de um mundo tão distante que parecia até mesmo pertencer essa outra vida. Sua vida atual era muito diferente do que as distantes lembranças lhe vinham à mente. E parecia que sua mente estava prestes a se perder a qualquer momento.
- Muito bem Kathlin, hora de sair do galpão e seguir em frente garota. – disse para si mesma olhando pela última vez para sua imagem refletida no espelho. Aquela, provavelmente, seria uma das raras vezes que conseguiria conversar olhando para outro rosto humano, ainda que fosse o seu próprio.
Após verificar todo o arredor, viu que não tinha nada que se movesse, nada que fedesse morte e nada que pudesse lhe ameaçar. Menos mal. Sua única preocupação era comer e seguir. Queria encontrar algum abrigo que pudesse ficar algum tempo mais que uma única noite. Algum lugar para se lavar. Algum lugar seguro que não corresse o risco de ser estuprada, feita escrava ou ser canibalizada. Difícil encontrar um lugar assim, por isso, o melhor era seguir em frente.
Mas sua tranquilidade momentânea não durou muito tempo. Assim que alcançou a estrada escutou o som inconfundível de uma motocicleta. Aquilo podia significar muitas coisas, boas e ruins. Mas ela não poderia ficar a mercê de quem quer que fosse, não dava para tentar descobrir amigavelmente se quem se aproximava era bom ou mal. Precisava se esconder na mata urgentemente. Antes de ter tempo de verificar se era seguro ou não, Kathlin simplesmente se jogou numa moita, torcendo para não ter nenhum animal peçonhento, tampouco um zumbi.
Ela atravessou a moita, e rolou uma pequena escarpa, fazendo mais barulho do que gostaria. Mas conseguiu parar a tempo, antes de bater as costas em uma árvore não muito longe dali. Ficou agachada alguns minutos, em silencio absoluto, aguardando o barulho da moto passar e anunciar que estava livre para voltar para a estrada. O que não tardou a acontecer. Logo o barulho do motor passou vagarosamente, como se seu condutor estivesse num passeio agradável durante um feriado prolongado, sem pressa de prosseguir. Mas o barulho denunciou que ela não estava sozinha na mata. O rosnado inconfundível de dois mortos-vivos vindo em direção ao som do motor na estrada, logo fizeram Kathlin pular em posição de ataque.
Os golpes dela foram certeiros e rápidos. Esses já estavam num estado de putrefação tão avançado que não lhe deram muito trabalho. Chutou o que estava mais perto de si para longe e avançou sobre o outro, cravando o pequeno punhal no crânio já sem pele. Quando o outro conseguiu, desajeitadamente, se levantar, ela segurou o colarinho puído e perfurou sua cabeça, livrando-se dos dois antes que pudessem sequer chegar perto de sua própria carne.
Mas o movimento na mata acabou chamando a atenção do motoqueiro. Ela só se deu conta disso quando percebeu que havia alguém a poucos metros atrás de si, observando calmamente enquanto ela lutava com os dois zumbis. Sempre tão cuidadosa e silenciosa, por um deslize mínimo acabou atraindo algo que não desejava encontrar, outro humano.

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Uma flor no deserto
Fiksi PenggemarFanfic baseada em The Walking Dead. O mundo foi devastado por uma epidemia viral, que se alastra através da mordida de mortos-vivos. O mundo foi totalmente reconfigurado, as pessoas voltaram ao seu estado de selvageria e para se salvar precisam venc...