IV.

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"Então, você tem quantos anos?" Perguntei, enquanto entramos no quarto.
"Vinte e dois. E você?" Ele disse, nunca me olhando nos olhos.
"Vinte e seis." Eu disse e ele me olhou assustado.
"Sério?" Ele perguntou e eu assenti. "Não esperava que fosses mais velho que eu. Aparentas ser mais novo."
"Eu tenho minhas técnicas." Falei e ri logo depois.

Daniel riu, mas não prosseguiu com o assunto, fazendo o silêncio se restaurar.

"Você tem cachorro?" Perguntei, sentando-me na cama absurdamente macia e encarando Daniel, que arrumava minuciosamente sua franja no espelho.

"Prince é mais que um cão qualquer. Ele é um membro da família e da guarda real."

"Meu Deus, você tem cachorro."

"Sim, Philip, eu tenho cachorro." Daniel disse, nervoso com minha escolha de palavras.

"Essa é a melhor coisa que eu ouvi desde que cheguei aqui." Eu disse e Daniel riu, seu sorriso me contagiou. "Eu posso vê-lo?"

"Bem, no momento ele deve estar ocupado com seu treinamento e..."

"Por acaso ele é aquele cavando um buraco no quintal?" Perguntei, olhando pela janela.

Ele correu até a janela e fechou os olhos, decepcionado com os atos do cão.

"É." Ele disse depois de suspirar.

"Eu posso?"

"É claro... Você mora aqui agora, ele também é seu."

"Você tá brincando comigo?" Perguntei e ele fez que não com a cabeça. "Ai meu Deus."

"Pode ir lá." Ele riu.

"Você não vai comigo?" Perguntei.

"Eu tenho algumas coisas a resolver... Pode ir. Mas não corra. Nos conhecemos há duas horas e já tropeçaste quatro vezes. Não quero ficar viúvo antes mesmo de me casar."

"Eu tomarei cuidado, fique tranquilo. Não vou sujar teu castelo com meu reles sangue plebeu." Ri e arrumei os cabelos, enquanto ele revirava os olhos.

Sai em direção as escadas e as desci sem pressa. Observei que todas as paredes da casa tinham fotos dos membros da família. Ao fim da escada, vi um quadro que retratava Dan, e uma moldura vazia ao lado. -Em breve estarei ali.- Pensei e suspirei. Não era o bem que eu planejava pra minha vida.

Me perdi algumas vezes até encontrar a porta da frente. Aquele lugar parecia uma torre inescapável, e eu a Rapunzel.

Assim que sai, o cachorro me olhou inquieto. Ele virou a cabeça, se aproximou lentamente, cheirou meu pé por alguns instantes e eu ofereci minha mão, para que ele a cheirasse.

O cão logo a lambeu e se deitou aos meus pés, pedindo carinho. Não era muito reconfortante saber que aquele animal bobão e amigável era parte da guarda real que me protegeria.

"Vejo que já conheceu Prince." Disse uma voz familiar. Senti seu braço se apoiar em meu ombro e logo reconheci o perfume. "Imaginei que ficaria animado quando o visse. Afinal, a vossa majestade sempre reclamou que seu irmão era alérgico a cães."

"Jesse..." Falei antes de me virar e sorrir.  Abracei o rapaz mais novo e apoiei minha cabeça em seu ombro enquanto ele me segurava com força, como se nunca mais fosse soltar. "Eu não sabia que viria para cá..."

"Bem, o planejamento dizia que Hoyt seria seu motorista em Alphenor, mas depois de alguma insistência, o rei concordou que eu viesse em seu lugar." Jesse sorriu. O mundo parecia parar toda vez que ele sorria. "Vossa majestade não se livrará de mim tão facilmente." Ele riu e eu encarei seus olhos verdes.

"Sabes que não quero me livrar de você nunca." Abaixei o olhar. "E pare de me chamar de vossa majestade, eu sinto que está zombando de mim."

"Estou um pouco." Ele riu. "Então é sério... Em breve você será um rei."

"Infelizmente." Disse. "Eu gostaria que as coisas fossem diferentes."

"Eu também. Mas você vai se adaptar logo, Phil. Eu tenho certeza."

"Eu espero que sim..." Me abaixei e acariciei o cão, que se contorceu de felicidade.

"Eu tenho que ir agora... Te vejo depois, vossa majestade." Ele fez uma reverência a mim e eu atirei um graveto do chão em sua direção.

"És ridículo." Disse rindo.

"Mesmo assim me amas." Jesse riu e saiu. Mal sabia ele que tinha razão.

"Ah, Prince... Por que é tão complicado?" Sentei-me no chão e perguntei ao cão que subira em meu colo, que não parecia muito interessado naquilo que eu tinha a dizer. "Acho que pra você não é complicado." Ri. "Se você gosta de outro cão ou de outra cadela vocês só cheiram o traseiro um do outro e pronto. Não tem muita burocracia."

"E você sempre ri de mim quando eu converso com os cavalos." Keith sentou-se no chão, de frente a mim. "Como vai, champ?"

"Poderia estar melhor, mas não está sendo tão mau quanto imaginei." Prince lambeu minha mão. "Como são os cavalos daqui?"

"Não são os meus cavalos. Acho que já tinha me apegado a eles. Pode demorar um pouco pra aprender o nome dos novos, mas eu acho que consigo me adaptar." Ele riu. "Eu ouvi dizer que você e seu irmão tiveram um desentendimento ainda em Gelasia. O que houve?"

"Talvez eu tenha ameaçado o espancar um pouco... E xingado. Xingado muito"

"Legal. Pena que você não teria coragem de fazer o que quer que tenha dito."

"Como não? Eu adoraria dar um soco naquela cara engomadinha."

"Mas não teria coragem."

"Escuta, você não tem noção do meu ódio ou da minha capacidade." Me levantei e arrumei minhas roupas. "Vou subir. Quer ir comigo?"

"Não... Eu e Anne marcamos um encontro."

"Você acha que algo vai acontecer? Quer dizer... Você gosta dela desde sempre."

"Duvido muito. Mas não custa sonhar, não é mesmo?" Keith perguntou.

"Boa sorte, champ" Disse e o dei um tapinha amigável no ombro.

"Você também."

Dessa vez encontrei o caminho de meu quarto mais rapidamente. Ao chegar na porta, ouvi Daniel conversar com outra pessoa.

"Como assim fugir, Dan? Você está louco?"

"Não, Luna! Me escuta! Tem tudo pra dar certo."

"Você está completamente maluco e eu não vou colaborar com isso. Tens noção das consequências? Tens, Daniel? Não sabes nada. Nunca vivestes fora deste castelo, não tens ideia do numero de cavaleiros que teus pais mandariam atrás de nós."

"Luna, eu não quero me casar com Philip."

"Por que não? Ele parece ser divertido e gentil."

"Eu quero casar por amor, Luna, eu..." Ele ficou em silêncio por alguns segundos.

"Você o que?"

"Eu quero me casar com você"

Silêncio tomou conta do quarto. Ouvi passos vindo em direção da porta e me desesperei. Abri a porta do quarto mais próximo ao nosso e entrei lá rapidamente. Após fechar a porta ouvi passos apressados e a voz de Dan.

"Luna, espera..." Mas Luna não esperou. Logo ouvi Dan caminhar de volta pro quarto e bater a porta.

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