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Dez anos depois


ECHO SEGUIA DUAS REGRAS. A primeira era simples: não ser pega.

Ela entrou com cautela na loja de antiguidades que ficava no fundo de uma viela do mercado noturno de Taipei. A magia cintilava ao redor da entrada como o calor ascendendo do cimento quente em um dia de verão escaldante. Se Echo olhasse diretamente para ali: não veria nada além de uma porta de metal sem marcas, mas, quando inclinava a cabeça do jeito certo, enxergava o brilho discreto de bloqueio de proteção que deixava a loja totalmente invisível exceto para aqueles que sabiam o que procurar.

A luz neon do mercado que se infiltrava para dentro da loja era a única iluminação do local. As paredes eram coberta de estantes lotadas de antiguidades em vários estados de deterioração. Havia um relógio cuco desmontado sobre a mesa no centro, com o pássaro pendurado em uma mola triste e débil. O feiticeiro dono da loja era especialista em encantar objetos mundanos, alguns com propósitos mais nefastos que outros. Os feitiços mais obscuros deixavam um resíduo, e Echo tinha contato com a magia havia tempo suficiente para senti-lo, como um arrepio na espinha. Contanto que evitasse aqueles objetos, ficaria bem.

A maioria dos itens sobre a mesa estava enferrujada ou quebrada demais para ser uma opção. Um espelho de mão de prata estava arruinado por uma rachadura que o dividia em dois. Um relógio enferrujado marcava os minutos ao contrário. Duas metades de uma medalha em forma de coração estavam em pedaços, como se alguém as tivesse destruído com um martelo. O único objeto que parecia funcionar era uma caixa de música. A tinta esmaltada estava descascada e gasta, mas os pássaros que enfeitavam a tampa tinham traços adoráveis e elegantes. Echo abriu a caixa e uma música familiar escapou de dentro, enquanto um passarinho preto rodopiava.

A canção de ninar da gralha, ela pensou, tirando da mochila das costas. A Ala ficaria encantada, embora o conceito de aniversário e presentes não significasse nada para ela.

A mão de Echo estava a centímetros da caixa de música quando as luzes acenderam. Ela virou a cabeça e viu um feiticeiro parado na entrada da loja. Seus olhos brancos e amorronzados, a única coisa que o marcava como não humano, observavam a mão de Echo.

- Te peguei.

Droga. Parecia que algumas regras existiam para serem quebradas.

- Isso não é o que parece. - disse Echo. Não era a melhor explicação, mas teria que servir.

O feiticeiro ergueu uma sobrancelha.

- Sério? Porque parece que você pretendia me roubar.

- Certo, então acho que é exatamente o que parece. - Os olhos de Echo pararam um pouco atrás do feiticeiro. - Minha nossa... O que é aquilo?

O feiticeiro olhou para trás por apenas um segundo, mas era tudo o que Echo,precisava. Ela pegou a caixinha de música, enfiou na mochila e jogou-a sobre o ombro; apressada, trombou com o feiticeiro. Ele caiu no chão e soltou um grito enquanto Echo escapulia para a praça do mercado.

Regra número dois, Echo pensou, surrupiando um pãozinho de carne de porco de uma banca de alimentos ao passar correndo por ela. Se for pega, corra.

O asfalto estava escorregadio com a garoa do dia, e suas botas derraparam quando ela virou uma esquina. O mercado fervilhava com compradores e com o rico perfume de comida de rua misturado ao ar agradável. Echo mordeu o pãozinho, recuando diante do vapor que queimou sua língua. Quente, mas delicioso. Era uma verdade universal que comida roubada era mais gostosa. Echo saltou uma poça de lama e quase engasgou com um bocado de pão grudento e carne de porco assada. Comer e correr ao mesmo tempo era mais difícil do que parecia.

A Profecia Do Pássaro De FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora