Capítulo 3

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Shaira Tutu


Me levantei e fui direto para o banheiro. O sol já brilhava forte e o calor atravessava as paredes dos cômodos. Mais um dia de altas transpirações, que legal.

Tomei um banho frio com o cuidado de não molhar o cabelo, não estou a fim de me atrasar para o serviço em plena segunda-feira por causa dele.

Coloquei um vestido soltinho amarelo e calcei uma sandália aberta. Passei creme nas pernas e protetor solar no rosto - não é porque minha pele é negra que deve ficar exposta aos malefícios do sol africano -, um batom vermelho bem forte e desci para tomar café. Meus pais estavam sentados à mesa bem sérios, o que me causou certa estranheza, já que eles sempre estão descontraindo a nossa manhã.

- Bom dia a todos. - Falei me sentando ao lado de Zunduri. - Como passaram a noite?

- Estudando, como sempre. - Minha irmã me respondeu sem tirar os olhos de um livro bem grosso sobre biologia e bebericando um suco de laranja.

- Bem, minha linda. - Meu pai me respondeu.

- Vocês não estavam indo para o Canadá?

- Sim, mas tivemos um imprevisto. - Minha mãe me respondeu e fixou o olhar na Zunduri. - A viagem será adiada, não sei quando iremos agora.

- Entendi. - Passei geleia de uva em uma torrada e me despedi de todos, saindo atrasada, como sempre.

Passei apressada pela escola onde Derek tem lecionado e o cumprimentei rapidamente, com um aceno de cabeça e continuei minha caminhada até a biblioteca da cidade. Ficava a cerca de 40 minutos da minha casa, e eu precisava estar lá às 8h em ponto. Faltam ainda 30 minutos para meu horário. Acho que não chegarei na hora...


Quando atravessei a rua, pude perceber o olhar furioso da srta. Kenia sobre mim. Ela me repreendia sem ao menos me dizer uma palavra, aquela mulher me dá medo.

- Atrasada. Outra vez, senhorita Shaira. - Ela fez cara feia, se  bem que, talvez fosse a cara normal dela. - Eu não tolero atrasos, menina.

- Eu sei srta. Kenia, não vai se repetir. Eu juro. - Falei para ela, quase chorando.

- Você disse isso semana passada, e na retrasada, e no mês passado. Todos os dias. Agora ande logo, tem muitos livros empoeirados nessas estantes, mocinha. - Ela se virou e eu revirei os olhos, suspirando.

Peguei meu avental e o espanador e comecei o trabalho. Não entendo como o governo pode deixar abandonado a maior fonte de conhecimento da cidade. Esse lugar está caindo aos pedaços e o nosso prefeito parece nem se importar se esse teto desabar sobre a cabeça de quem usa essa fonte aqui. Ele é um cretino. Bem, talvez a população seja cretina por tê-lo elegido.

Tirei alguns livros da caixa de doação e organizei-os nas estantes de acordo com seus gêneros. Limpei um por um até o horário do meu almoço. Comprei um sanduíche e uma coca na lanchonete aqui em frente e tirei dez minutos para comer meu lanche em paz. Não tive essa sensação por mais que cinco minutos, Kenia estava me gritando. Insuportável. Por que diabos ela está gritando dentro da biblioteca, que deveria ser quase um santuário?! Me levantei de cara fechada e fui até ela. Ela estava ao telefone.

- Shaira, é da Inglaterra. - Meu coração parou por um segundo. - Oxford University. - Ele voltou a bater. - E querem falar com você. - Ele parava e voltava, tudo isso em meio segundo. Acho que estou passando mal.

Ela me passou o telefone e eu o peguei com as mãos trêmulas. Ai, Meu Deus, me ajude.

- S-Shaira falando. 

- Bom dia, senhorita Tutu. Nós da Universidade de Oxford gostaríamos de saber sua disponibilidade para uma entrevista na próxima semana. - Meu coração parou novamente. - Analisamos todo o seu histórico escolar e nos agradamos sobre ele. Seria uma honra tê-la como aluna na nossa universidade. - Isso não é real. Alguém precisa me acordar, eu me iludo fácil!

- C-claro, semana que vem eu estou livre, sim. Podemos manter contato por email e acertar todos os detalhes.  Creio que na minha matriz de referências estão todas as minhas formas de comunicação. Eu agradeço pela ligação. - Sorri, ainda nervosa.

- Muito obrigada, senhorita. Tenha um bom dia. - Ouvi um bip, sinalizando o fim da ligação.

Precisei me sentar para acalmar os ânimos e só então vi que minha chefe estava mexendo freneticamente um copo de água com uma colher. Era açúcar. Bebi e fechei os olhos, levando as mãos às têmporas e massageando-as levemente com a ponta dos dedos.

- Eu vou para Oxford. EU VOU PARA OXFORD! - Gritei, mas os estudantes da biblioteca logo fizeram"shiiiu" em coro. - Eu nem acredito que eles me ligaram, isso é muita sorte! - Botei a mão por cima da boca, ainda incrédula.

- Filha, pode ir por hoje. - Kenia tentou sorrir, mas saiu uma carranca. - Acho que está muito entusiasmada para permanecer na biblioteca. Nos vemos amanhã, mas sem atrasos, por favor. - Eu sorri em agradecimento e joguei meu avental e espanador dentro do meu armário.

Sai dando pulinhos de alegria pelas ruas de Lusaka. OK, eu sei que ainda não passei na entrevista e ela é a etapa mais importante,mas não estrague meu barato. Eu sei que vou conseguir vencer mais essa barreira e adentrar de vez o campus de Oxford.

Fui para casa levitando, preciso contar isso para alguém.

Além da Cor - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora