Capítulo 11

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Shaira Tutu

O garoto do café é amigo de Zunduri. Agora entendi o porquê de ele ter ficado me observando com um olhar profundo de pena de mim. Que ridículo. Não me demorei muito no estabelecimento, eu me senti incomodada com ele, Joseph, seu nome, me fazendo perguntas, aumentando minha mágoa sobre minha irmã.
Minha avó estava sentada no sofá e havia duas outras senhoras que conversavam animadamente com ela. Quando me viu parada à porta, dona Louise empalideceu. Eu sorri, denotando tristeza. Suspirei e fui caminhando para o quarto, quando uma das mulheres me perguntou algo.
— Mocinha, não vai nos cumprimentar? – Ela ergueu as sobrancelhas e eu me senti envergonhada. Agradeci mentalmente por ter essa grande quantia de melanina nas células, porque se fosse branca, a esse momento já estaria azul de vergonha. Sorri para ela.
— Bom Dia, senhoras. Eu pensei que iria atrapalhá-las, pareciam estar em uma conversa agradável. – Sorri nervosa para elas.
— Minha querida, acho que um sorriso como o seu jamais iria atrapalhar nada. A senhorita se chama...? – A outra senhora, de cabelos negros artificiais me perguntou, ela sorria de forma calorosa.
— Eu sou Shaira Tutu. – Estendi-lhe a mão. – Sou neta de Louise, não sei se ela disse.
— Nós já sabíamos. – Arregalei os olhos muito surpresa. – Eu sou Agatha Prescott e essa é minha irmã Jenna Cosgrove. Sua avó é nossa amiga desde os tempos que éramos belas como você. Sente-se conosco.
Acenei com a cabeça e me sentei junto à minha avó, no outro sofá.
— Shaira vai entrar para Oxford. – Minha avó falou.
— Isso é muito bom, Lou. O que você quer fazer? – Senhora Cosgrove me perguntou e bebeu um pouco de chá.
— Vou cursar Escrita Criativa. Quero ser escritora. A mais famosa de Zâmbia. A senhora tem estudo?
— Sim, fui professora durante muitos anos. Inclusive em Oxford. Eu dava aulas de literatura. Lá é uma universidade maravilhosa. – Ela dizia e parecia se lembrar dessa época.
— É, sempre sonhei em estudar lá. E agora eu estou a um passo de realizar esse desejo de infância. Tenho certeza que vou adorar.
— Vai sim, querida. Eu também queria estudar lá, mas acabei me casando muito jovem e tive meus filhos e marido para cuidar. Infelizmente não tive mais chances. – Ela suspirou.
— Nunca é tarde para tentar. Bem, se as senhoras me dão licença, preciso arrumar minhas coisas. – Sorri e me levantei. – Foi um prazer conhecê-las, senhoras Prescott e Cosgrove. Até breve.

Fui em direção ao meu quarto e desfiz outra parte da mala ao som de Coldplay nos meus fones. Quando terminei, organizei um currículo e deixei salvo no computador. Amanhã mesmo sairia espalhando pela cidade.

O restante do meu dia não foi algo excitante, acabei dormindo o resto dele, só me levantando para o jantar.

***

Dei-me o luxo de dormir até mais tarde hoje e acordei com algumas mensagens no celular. Uma delas em especial me chamou a atenção. Era um número desconhecido.

"Shaira, aqui é Joseph, do café. Soube que você chegou há poucos dias e vai morar aqui, então presumi que a senhorita poderia estar em busca de emprego para poder se manter. Estamos com uma vaga para garçonete aqui no café, se se interessar, pode vir deixar seu currículo. A gerência pode querer um teste."

Eu o agradeci e disse que pensaria sobre isso. Zunduri havia comentado minha vida com um completo desconhecido. Que droga, pensei.
Decidi me levantar. Dobrei os lençóis e cobertores e fui tomar um banho.
Minha vó estava na cozinha e a chaleira apitava. A mesa de café ainda estava posta e eu me sentei.

— Bom dia.
— Bom dia. – Ela respondeu de costas para mim. – Quando é a entrevista?
— Eles me ligaram ontem durante a tarde. – Passei geleia em meu pão. – Marcamos para amanhã, às duas dá tarde.
— Ingleses são pontuais, não se atrase nem meio milésimo de segundo.
— Sim, vovó. – Sorri. – Posho ushar a impresshora? – Falei com a boca cheia de comida.
— Pode. – Dona Louise me lançou um olhar de repulsa. – E não fale de boca cheia, sua mãe não te ensinou?

***

Imprimi uma cópia do meu currículo e o coloquei na minha pasta. Vou levar agora no café, posso ter uma chance. Aqui no exterior, garçonetes ganham boas gorjetas e eu poderia até alugar um quarto em alguma república.

Joseph estava sentado do lado de dentro e mexia no celular, estava com um sorrisinho de canto. Seus olhos se suspenderam da tela e ele me encarou, parecia tristonho. Eu acenei com a mão ao entrar. Ele veio até mim.

— Pensou? O gerente está no escritório, você pode deixar com ele. Eu levo você até lá. – Ele colocou a mão no meio das minhas costas para me guiar, mas eu o fitei e ele retirou-a no mesmo instante, já corado. – Desculpe.
— Obrigada. Tudo bem, sem problemas. Hum, Joseph, será que ele vai se importar? Eu sou negra. – Dei um risinho anasalado.
— Não pense em racismo agora, sim? Imagine que você pode conseguir o emprego. Vai ser bom.
— É. Obrigada.

Entrei na sala e fui apresentada a um senhor já meio grisalho e com uma barriga... notável. A camisa tinha uma mancha de café na altura do peito. Ele se levantou e me estendeu a mão.

— Bom dia, senhorita...?
— Shaira Tutu. Bom dia, senhor Parker. – Li na placa em sua mesa. – Vim deixar meu currículo. – Estendi-lhe a folha.

Senhor Parker parou durante longos minutos e observou a ficha que continha minhas informações pessoais e profissionais, parecendo analisar com cautela cada dado lido.

— Por que quer ser contratada? – Ele deixou a folha sobre a mesa, ajeitou os óculos seguido de um pigarro e cruzou as mãos.
— Eu prezo pela minha independência financeira dos meus pais. Já sou uma adulta, estou morando em outro país e brevemente serei universitária. Preciso saber como me cuidar e me manter, financeiramente falando. – Respondi firme.
— O que espera de um trabalho como garçonete?
— Executar meu dever com a respeito e sendo respeitada. – Frisei a última palavra. – Além disso, não procuro ser rotulada a partir de trabalho. Todos os serviços são dignos.
— Vejo que não tem experiência em cargos ligados à alimentação. – Ele refletiu.
— Não, mas tenho experiência com pessoas. Trabalhei durante alguns meses em um escritório como secretaria e por quase 2 anos fui atendente em uma biblioteca, sei lidar com todos os tipos de gente. – Rebati e sorri, satisfeita.
— Você é uma garota confiante.
— Se eu não puder passar essa confiança aos possíveis superiores, quem iria me contratar?
— Um pouco atrevida também, eu diria. – Ele sorriu e acendeu um charuto.
— Viver é para quem tem coragem. – Sorri e me recostei na poltrona para evitar a fumaça fedorenta.
— Certo, Senhorita Tutu. Eu irei analisar melhor seu currículo e entrarei em contato. Boa sorte. – Ele me deu um forte aperto de mão e eu caminhei para fora de sua sala.

— E então, contratada? – Joseph surgiu no corredor.
— Ele vai analisar meu currículo. – Suspirei e puxei um dos meus cachos. – Joseph, eu sei que foi Zunduri que te falou da minha situação aqui. Eu não quero que você se intrometa na minha vida dessa forma, porque eu nem te conheço. Sei seu nome e só. Agradeço muito pela indicação do trabalho, mas por favor, diga a ela que sei resolver minha vida sozinha. Obrigada. – Me sentei em uma das mesas.
— Quer alguma coisa?
— Só uma água, por favor. – Ele saiu e eu me vi sozinha por alguns instantes.

Além da Cor - CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora