1. Herança

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Cemitério Municipal de Detroit
14:09h
Rebecca Paulsen

- Segura na mão de Deus, e vai. - cantavam os que estavam ali presentes. Eu me recusava a cantar isso pois sabia que meu pai detestava essa música. Meu irmão estava usando fones de ouvido. Só estava de corpo no funeral, pois de pensamento estava longe. Eu entendo que a relação entre eles não era a das melhores, mas não entendo essa falta de respeito.
- Ele era um ótimo cavalheiro. - diziam as pessoas. Todos que estavam no local gostavam dele de verdade. "Daniel Paulsen, da inspiração para a lenda" estava escrito no meio do arco de flores. No fim do funeral, depois de enterrarmos seu corpo, Carl veio até mim.
- E a firma, como que fica? Uma parte boa da morte do papai foi...
- Por favor, não continue. Não quero ouvir algo que você pode se arrepender de ter dito. - falei, cortando-o. Meu irmão não tinha o famoso "desconfiômetro", o que fazia dele um ótimo advogado, porém uma péssima pessoa. Eu e ele trabalhamos na firma do papai desde que eu me formei, 10 anos atrás. Provavelmente, ela cairia sobre nosso comando, agora que ele se foi, e Carl estava esperançoso de que viraria sócio-gerente e ocuparia a sala do nosso pai. Eu também tinha essa esperança, mas não tanta. Sei que um de nós dois será o novo dono da firma, mas não sei quem vai ser. Bom, saberei amanhã, na reunião do testamento.
- Você viu o Aver por aí? - perguntou meu irmão.
- Pior que não. - respondi, olhando para os lados.
- Ele tinha um julgamento agora a tarde e não pode estar aqui. Sinto muito. - disse Maddie, se aproximando. Maddie era a assistente jurídica mais inteligente que já conheci. Meu pai a valorizava muito. Eu ainda suspeito que ela esteja dormindo com o Aver, um advogado de nossa firma. Famoso por seu jeito sarcástico e... Bom, mulherengo. Ele é ótimo em julgamentos, mas tudo se facilita quando é uma juíza.
- E então, Maddeline, quando você vai parar de transar com ele e dar bola para mim? - perguntou Carl, indiscreto. A garota se assustou. Devia estar pensando que meu irmão era um idiota por falar essas besteiras em um cemitério.
- Não ligue para ele, querida. Ele é patético. - avisei. Ela deu um sorriso nervoso e saiu de perto rapidamente. - Como você quer a atenção dela se você é um idiota?

Tribunal de Justiça de Washington
14:24h
Aver Donald

- PROTESTO. - gritei. - A advogada está testemunhando.
- Mantido. Advogada, siga com as perguntas. - respondeu o Juiz. Estava eu mais uma vez no tribunal de Washington. Meu cliente, Adolf Dung, estava processando uma empresa de cosméticos por ser responsável pelas queimaduras na face dele. Ao que parecia, o idiota comprou um creme hidratante vencido e agora está tentando ganhar dinheiro em cima disso. Porém, como sou um ótimo advogado, vencerei, mesmo achando isso uma bobagem.
- Então você alega que a Clear Skin Cosméticos enviou o lote em que o creme estava inserido antes da data de validade expirar? - perguntou a advogada para Orlan Cardozo, dono da empresa em questão.
- Sim. A culpa não é minha que ele comprou um creme vencido. A culpa é da loja que não o retirou, e dele também. Ao meu ver, ele não é cego e poderia ter lido o rótulo. - respondeu Orlan, olhando para o júri.
- Eles estão inclinados para a defesa. - disse Adolf.
- Fique tranquilo. Eu vencerei.
- Sem mais perguntas. - disse a advogada, sentando. Seu nome era Hadar Launch, conhecida nacionalmente por ser advogada do deputado polêmico Golias French. Ela estava representando a Clear Skin por minha causa. Bom, não é algo que eu posso afirmar, mas eu suspeito. Quebrei seu doce coração não ligando de volta... E não me arrependo nem um pouco.
- Senhor Cardozo, é verdade que a loja Poison, estabelecimento onde meu cliente adquiriu seu creme, está na lista de entregas da Clear Skin? - perguntei, me levantando.
- Ora, não se faça de sonso. Isso está claro, se não como o seu cliente poderia ter comprado o meu creme lá?
- Sou eu quem faço as perguntas aqui. - respondi, levantando a voz. - Bom, sobre essa lista, é verdade que a Poison está na última colocação?
- Eu não sei, deve estar.
- Protesto, relevância. - disse Hadar, sentada com os olhos revirados.
- Tem relevância, meritíssimo.
- Negado. Chegue direto ao ponto, advogado. - disse o Juiz. Hadar bufou.
- Pois bem. É verdade que a Clear Skin recebe, mensalmente, inúmeras reclamações por e-mail? - disse, indo em direção a mesa de ataque, pegando uma pasta.
- Mas é claro. Toda empresa do mundo tem reclamações. As pessoas as vezes passam dos limites, mas isso é normal. Estamos acostumados.
- O senhor tem razão. As vezes, as pessoas passam dos limites. E desta vez, a pessoa foi você. - disse, caminhando até o Juiz. - Tenho esse formulário que apresento como prova onde mostra que 87% das reclamações mensais são de compradores da Poison. - conclui, entregando um documento que estava dentro da pasta que eu segurava.
- PROTESTO. Isso não faz o menor sentido. - disse Hadar, se levantando.
- Estou inclinado a concordar com ela, advogado. Mais alguma prova? - perguntou o Juiz, com o documento em mãos.
- Sim, meritíssimo. Possuo também esse formulário da AREUA, a Associação de Revenda dos Estados Unidos da América. Pode ler para o júri a parte grifada? - disse, me aproximando de Orlan e entregando-lhe outro documento que estava dentro da pasta.
- Sem problemas. - respondeu, pegando-o. - Aqui diz que "a AREUA proíbe a Clear Skin Cosméticos de ter uma lista de entregas com um número superior a 20 lojas".
- O senhor está ciente dessa lei? - perguntei, pegando o documento e entregando-o ao Juiz.
- Estou sim, e não passamos do limite. Temos exatamente 20 lojas revendedoras.
- 20 lojas revendedoras que estão na lista. Mas e a famosa "fantasma"?
- Eu-eu não sei de fantasma nenhuma. - respondeu, hesitando. Estava mentindo, e isso era obvio.
- Apresento a terceira e última prova, que é este documento aqui. - falo, puxando a última folha de dentro da pasta. - Ele mostra que, antes da terceira loja, existe uma "fantasma" que revende os produtos da Clear Skin mas não aparece na lista.
- PROTESTO. O advogado não está apresentando nada relacionado ao caso. - disse Hadar.
- Negado. Acho que estou começando a entender o ponto de vista dele. Prossiga, advogado. - disse o Juiz.
- Continuando. O nome da empresa é... Bom, não é uma empresa, é uma pessoa. Um comprador sozinho, sem patente. O senhor sabia da existência dessa pessoa? Lembre-se que estás sobre juramento.
- Eu... - começou Orlan, enxugando sua testa do suor que começava a cair. - Eu sabia sim.
- Então podemos afirmar que a loja Poison, marcada aqui como a 20ª da lista, na verdade é a 21ª?
- Tecnicamente, mas...
- Então com isso, também podemos afirmar que as entregas enviadas para a loja Poison podem ter atrasados, e, com isso, os produtos podem ter chego vencidos?
- Não sei, talvez, mas o seu cliente foi burro de não ter olhado a validade. Todo mundo olha.
- Você sabia que meu cliente é míope?
- Eu... Não. - disse Orlan, se desmontando.
- Sem mais perguntas. - falei, piscando para o júri e me sentando ao lado de Adolf.
- Mas eu não sou míope. - sussurrou Adolf.
- Agora é, fica quieto. - disse, olhando para frente.
- Alguma pergunta a mais, advogada de defesa? - perguntou o Juiz.
- Não, meritíssimo. - respondeu Hadar, indignada.
- Bom, então sessão encerrada. - disse ele, batendo o martelo. Me levantei, cumprimentei Adolf e corri para fora do tribunal, atrás de Hadar que já havia saído. Não a achei. Meu telefone começou a tocar, e quando o peguei para atender, vi que era Rebecca. Ela já havia me ligado 9 vezes, mas não pude atender pois estava em sessão.
- Becca? - atendi.
- RE becca, seu otário. - disse Carl, na linha. Eu e ele tínhamos uma relação meio de... Cão e gato. Lógico que eu era o gato.
- Carl, que surpresa você com o celular da sua irmã. Teu salário da firma ainda não é suficiente para pagar um? - perguntei.
- Muito engraçado, Aver. Saiba que estamos no funeral do meu pai, e sentimos sua falta hoje... Bom, eles sentiram.
- Que gracinha. - disse, rindo, quando percebi o que estava acontecendo. Eu tinha me esquecido do funeral, e acabei marcando uma sessão para o mesmo horário. - Brincadeiras a parte, meus pêsames. O chefe fará falta.
- Eu sei que fará. Amanhã tem uma reunião com todos os funcionários da firma. Espero que apareças.
- Eu vou. Já marquei meu voo e para... - comecei a falar, pegando meu passaporte no bolso e olhando a hora do voo. - 15:00h.
- Ou seja, para daqui alguns minutos. - disse Carl. Tirei o telefone do ouvido e olhei as horas. Estava muito atrasado. Desliguei o telefone e corri para um táxi, entrando nele. Quando entrei, vi que Hadar estava lá.
- Sinto muito, táxi ocupado. - disse ela, evitando me olhar.
- Eu sei que você vai para o aeroporto também, e estou super atrasado. Taxista, se puder acelerar. - disse, fechando a porta, quando ele ligou o carro.
- O que quer comigo?
- Na verdade te encontrei por acaso, mas já estava querendo falar com você.
- Veio se gabar pela vitória de hoje? - perguntou, jogando os cabelos para trás e revirando os olhos. Adorava quando ela revirava os olhos.
- Tecnicamente ainda não venci. Mas ambos sabemos que vencerei. - respondi, sorrindo. - Mas não era isso que queria falar com você. Estou com saudades de nós dois. - disse, pegando sua mão. Ela a puxou rapidamente.
- Que fique.
- Não sei o porquê de toda essa raiva.
- Ah, não sabe? Não lembras daquela noite? A última noite que estivemos juntos, na minha casa. Foi a QUATRO MESES ATRÁS. Você nunca mais me ligou, nunca mais deu as caras.
- Tinha que seguir minha vida. Você era casada.
- EU ME DIVORCIEI POR VOCÊ. - gritou, olhando para mim. Não aguentei e comecei a rir.
- Ele que se divorciou de você. - falei. Ela cruzou os braços.
- Você não muda nunca, não é mesmo?
- E você gosta de mim assim. - disse, partindo para o bote. Me joguei em seu corpo, lançando-a um beijo. Ela começou recusando, mas depois retribuiu. Estava ficando quente, quando o táxi estacionou.
- Chegamos, pombinhos.
- Venha para Detroit comigo. Trabalhe na Paulsen. Aposto que te aceitariam na hora. - disse, sem pensar, enquanto tirava o dinheiro da carteira.
- Estou bem trabalhando em Nova York.
- Bom, você quem sabe. - dei o dinheiro ao taxista e saí do veículo. Corri até meu portão de embarque.
- VOO 139 COM DESTINO A DETROIT PARTINDO EM 10 SEGUNDOS. - disse uma mulher no auto-falante do aeroporto. Comecei a correr mais rápido ainda, quando cheguei no portão.
- A TEMPO? - perguntei para Jhenifer, ofegante.
- A tempo sim, senhor Aver, como sempre. - respondeu. Jhenifer era a moça que cuidava dos passaportes. Conheci-a no natal passado, aqui em Washington. Ela é uma ótima companhia, se é que me entendem.
- Obrigado, meu anjo. - falei, beijando-a na boca e saindo correndo para o avião. Não pude ver a reação dela, mas imagino que tenha ficado vermelha. Se eu sou mulherengo? Não. Só gosto de curtir a vida sem me prender a uma mulher só.  

Paulsen - Advogados Ao Ataque (PAUSADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora