Mipiniê e Malicalus

Primavera

Quando a seriema gritou "FOGO!" pela primeira vez, Mipiniê não ouviu. Estava muito concentrada em sua tristeza.

Mas, quando todo mundo começou a fugir e a seriema gritou "FOGO!" pela segunda vez, Mipiniê sentiu-se tomada de um medo muito grande e descobriu que, mesmo estando triste, não queria morrer.

De seu tronco não sobrou quase nada. De seus galhos, apenas um montinho de cinzas, no chão. As árvores sobreviventes lamentaram sua morte, assim como a de tantas outras companheiras, que tinham sido engolidas pelo fogo.

Mas o que ninguém sabia é que Mipiniê tinha sido muito esperta.

Ao ver o incêndio se aproximar, com suas chamas altas, muito mais altas do que seu galho mais alto, Mipiniê tivera uma ideia e se encolhera todinha, dentro de uma semente.

Entre arriscar e morrer, Mipiniê arriscou: balançou-se com força, até se desprender de si mesma e se jogou ao vento, torcendo para que ele a levasse para longe dali.

Por dias e dias, Mipiniê viajou pelos ares. Às vezes, quando gostava de algum lugar, pensava em descer ali e criar raízes, mas ela estava gostando tanto de viajar! Finalmente, conseguira entender Malicalus. Havia tanta coisa para ver, tantos lugares para conhecer. O mundo era tão maior que o cerrado!

E assim lá ia ela, semente, por aí.

Viu rios, lagos, montanhas, chapadas e até mesmo as cidades, onde moravam os bichos de duas pernas. Descobriu que alguns deles gostavam das árvores e que as cultivavam com carinho, especialmente em lugares chamados parques, onde se encontravam sob a sombra, para comer, se divertir, ou cochilar.

Tudo isso, ela viu, até que um dia se cansou e sentiu saudades de suas flores. Lembrou-se do que Malicalus lhe dissera, sobre como ela era árvore porque tinha de ser árvore e começou a procurar um cantinho.

No fundo, no fundo, ela já sabia onde queria viver. Estava encantada pelas cidades e sentia que os bichos de duas pernas precisavam de flores.

Então um dia, elaavistou uma cidadezinha, à beira de um rio muito simpático, e soube que haviaencontrado o seu lugar.