Capítulo 1

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Véspera de Natal

Exceto pelo terrível desconforto que aquela máquina hospitalar, que mais parecia um elefante pressionado sobre seu peito, lhe causava, Anahí Herrera sentia-se mais ou menos bem disposta.

Não. Pensando melhor, não se sentia assim, mas apenas resig­nada. O aparelho era enorme, pesado, e, ainda por cima, exalava um odor estranho e desagradável.

Anahí podia ouvir o funcionamento da máquina que monitorava seu coração e sabia que aquele constante bipe tinha uma sonoridade normal, o que significava que continuava viva. Todavia, aquela coisa apertando-lhe o tórax não podia ser normal. De jeito nenhum. Apesar do fato de que toda vez que inalava o ar o movimento provocava dor, tanto no peito como nos pulmões, Anahí respirou fundo, levando uma mão trêmula à testa, a fim de enxugar o suor que começava a escorrer para seu rosto. Porém, então parou e olhou para a própria mão. Estranhou o que viu. Encontrou as unhas cortadas e quase limpas. Diferentes do que costumavam ser.

Por outro lado, parecia muito normal que estivesse tremendo. Porque nada na vida de Anahí, nada vinha sendo normal, e já fazia muito tempo.

- Você está bem, querida?

Ouvindo a voz um tanto adocicada, Anahí movimentou o rosto para um dos lados, os olhos azuis entorpecidos enfim focando-se na senhora de idade que ocupava o outro leito.

A mulher devia ter por volta de oitenta anos, os cabelos tingidos de preto e brancos na raiz, evidenciando que não os pintava fazia uns bons três meses. Tinha olhos verdes e feições perfeitas, apesar da pele enrugada. Sem dúvida fora muito bonita quando jovem.

Embora estivesse sobre um leito de hospital, a aparência era fina e sofisticada. Anahí já conhecia o tipo. Devia ser uma senhora que pertencia a um clube da cidade, jogava bridge toda semana com as amigas, tinha parentes e filhos que a amavam, preparava um belo almoço familiar todos os domingos, no qual os netos se divertiam a valer, uma vez que a avó lhes fazia todas as vontades. Uma mulher que nunca sujara suas unhas para esconder uma gar­rafa de conhaque numa sacolinha de papel.

Anahí poderia apostar que aquela estranha jamais se escondera num depósito de lixo no meio do inverno para fugir do frio, e muito menos da polícia. Apostava que ela era uma pessoa correta e nunca transgredia regras. Apostava que...

A senhora idosa meneou a cabeça, a boca curvando-se num sorriso amável, embora seus olhos estivessem ainda cintilando.

Anahí já vira aquele olhar uma enorme quantidade de vezes na Cozinha do Sopão da Rua Coolidge, onde todos aqueles pobres coitados repartiam suas refeições, suas roupas rasgadas e suas su­jeiras, enquanto sorriam, como se viver fosse uma bênção de Deus. Tolos de bom coração pensou Anahí, que já perdera a fé no Todo-Poderoso.

- Quer que eu chame uma enfermeira? - ofereceu a mulher mais velha, falando com muito carinho.

- Não - respondeu Anahí, um pouco rouca, devido aos anos fumando cigarro barato e ingerindo bebidas alcoólicas de baixa qualidade.

Após o som musical da entonação da senhora, a de Anahí soou como uma buzina de carro antigo que precisava de um certo reparo. A desconhecida exalou um suspiro cansado.

- Meu nome é Grace.

- É mesmo?

Anahí não tinha interesse nenhum naquela conversa. No estado em que se encontrava doente, presa numa cama hospitalar, não estava no humor de travar novos conhecimentos. Muito menos com uma idosa que parecia ansiosa demais para falar. Anahí queria sossego, um pouco de paz. Uma paz que não encontrava fazia anos.

Lição de Vida - AyAOnde histórias criam vida. Descubra agora