Capítulo 17 - Penúltimo

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Véspera de Natal

Anahí estava em pé no lindo jardim de sua residência, encostada na mureta de tijolos e admirando as estrelas.

Apesar de bastante agasalhada, o frio era intenso e penetrava-lhe por todos os poros, fazendo-a tremer, mas ela não se importava. Afinal de contas, não se sentia tão feliz daquele jeito fazia... uma vida inteira.

Com o amadurecimento que de fato adquirira, fitou o inacredi­tável céu de inverno e fez um pedido à estrela mais brilhante.

— Eu desejo — murmurava as lágrimas queimando-lhe os olhos e apertando-lhe a garganta — que Alfonso e as crianças sempre se lembrem deste Natal como o mais feliz de suas existências. Porque, de longe, este é o mais feliz para mim.

Cerrou as pálpebras e respirou fundo, sentindo-se alegre demais para alguém que estava à beira do choro.

Dentro de casa, Alfonso e os garotos, juntos ao redor da árvore de Natal, abriam os presentes extras que tinham sido dados aos meninos pela mamãe e pelo papai, e não pelo Papai Noel.

Canções natalinas tocavam num programa especial de televisão a cabo. Naquele momento, soava uma melodia que falava sobre castanhas tostando na fogueira.

— Ei, você não vem se juntar a nós? — Alfonso a chamou da soleira, com toda a delicadeza.

Ele usava um suéter grosso cinza-chumbo que fazia seus olhos parecerem verde-acinzentados. Estivera prestes a vestir sua roupa de Papai Noel, como costumava fazer todos os anos desde que as crianças nasceram, porém Anahí insistira para que abrisse mão da fantasia naquele ano. E, embora relutante, ele acabou concordando.

Podia ser pura tolice; mas Anahí achou que teria uma chance melhor de mudar o futuro, se alterasse o máximo de detalhes que pudesse. Além disso, não queria que as tristes recordações do pas­sado a perturbassem, misturando-se com sua nova realidade. Não quando tentava transformá-la por completo.

—Tudo bem com você, minha querida?—veio á voz carinhosa de seu marido.

— Nunca estive melhor, meu amor. -— Com um sorriso doce, ela entrou. — Alfonso, eu te amo — confessou mais uma vez, num rompante de emoção.

Ele se aproximou e abraçou-a, envolvendo-a no corpo forte e puxando-a para si.

— Está congelando lá.fora.

— Eu sei, mas é tudo tão bonito que não pude resistir a olhar as estrelas e agradecer a Deus.

Alfonso franziu o cenho.

— Nunca ouvi você falando de Deus antes. Pelo menos, faz muito tempo que não ouço. Cheguei a achar que não tinha mais fé.

— Depois que perdi nosso bebê, minha fé se foi, mesmo. Mas agora que superei tudo, e que tenho você de volta, sei que Deus existe e creio nele com todo meu coração.

Alfonso abraçou-a apertado e ambos ficaram calados por alguns instantes, apenas saboreando a alegria de estarem, enfim, juntos.

Anahí sentia-se mais aquecida do que qualquer casaco de pele seria capaz de fazer.

— Mamãe, os presentes! — gritou Zack.

— O que tem eles? — Anahí se desvencilhou do marido e foi em direção ao filho.

— São tantos... — Seus olhinhos brilhavam de alegria.

— No ano passado, não foram muitos. Papai Noel virá esta noite? — questionou, desconfiado.

— Claro que sim, meu anjo. Afinal, vocês todos foram muito bonzinhos o ano todo.

Eles abriram os presentes, encontrando mini-abajures que ser­viriam para fixar na cabeceira da cama para ler à noite. E livros. Diversos livros.

— Maravilhoso! — comentou Zack. — Todos os contos de fada que nunca li e sempre quis ter.

Anahí decidira comprar quinze daqueles livros, porque não sa­bia até quando estaria ali com sua família para adquirir a coleção completa dos contos clássicos.

A horrível sensação de que algo ruim estava prestes a acontece que a vinha perseguindo sem trégua, passara quase que na totalidade. Talvez o desejo de permanecer fosse maior que o medo de partir.

No dia seguinte, acordaria com a algazarra barulhenta de seu filhos, excitados e contentes porque Papai Noel passara lá, deixando lindos mimos para eles. Ela desceria a escada e os abraçaria agindo como se estivesse surpresa por Papai Noel ter levado justo que eles queriam. Depois, prepararia o desjejum enquanto Alfonso juntava toda a bagunça dos embrulhos. Após tudo isso, todos vestiriam suas roupas novas e bonitas e iriam à igreja, onde ela agora agradeceria a Deus por deixá-la ver e, sobretudo, participar da manhã de Natal, e pediria perdão por pensar, por muitos e muitos anos que Ele não existia.

As crianças foram para a cama, e Anahí e Alfonso tiraram os pacotes do porão, onde estavam escondidos dentro de um armário trancado à chave, e os distribuíram sob a árvore iluminada. Em seguida, sentaram-se no sofá e ficaram apreciando o fogo da lareira.

— Você foi um pouco abusada este ano. — Alfonso sorriu. — Não acho que vou gostar muito de ver a fatura do cartão de crédito. Acertei?

— Em cheio. Não gostará nem um pouco. — Ela riu, aconchegando-se ao marido e beijando o rosto dele. — Você está com um cheirinho tão gostoso...

Para surpresa dela, Alfonso se afastou.

— Há algo que quero lhe mostrar.

Ao ouvir aquilo, o estômago de Anahí se revolveu com tanta violência que ela chegou a sentir fortes náuseas. As coisas tinham caminhado tão bem que quase se esquecera do que acontecera todos aqueles anos atrás. A cena não parecia real. Era como se estivesse vendo num vídeo em sua casa, uma ação em câmera lenta.

Alfonso se levantou para pegar a pasta de executivo. Anahí come­çou a tremer, enquanto ele vasculhava entre a papelada, até que tirou um envelope pardo.

Anahí sabia o que o marido ia fazer em seguida, podia rever tudo com clareza em sua memória cristalina.

Alfonso virou-se para o sofá e então bateu duas vezes o envelope pardo na palma. Em seguida, olhou para Anahí com intensidade, o rosto bonito iluminado com um sorriso. O coração dela disparou.

—Alfonso, não! — exclamou, em estado de choque. E então ele jogou o envelope no fogo.

Anahí ficou olhando para a lareira, hipnotizada, vendo os do­cumentos do divórcio virarem cinzas. Não podia crer que de fato mudara o passado, que conseguira tudo o que planejara dez dias atrás, quando acordara em casa de novo.

— Sabe o que era aquilo, Anahí? — Ela fez que sim, emocionadíssima.

— Nunca mais quero pensar em divórcio. Prometa-me que eu jamais terei de querer isso outra vez, querida.

— Prometo.

As lágrimas escorreram-lhe pelas faces quando ela se levantou, atirando-se nos braços de seu amado marido.

Alfonso segurou-lhe o rosto entre as mãos.

— E eu lhe dou minha palavra de honra de que jamais cometerei deslize algum que a faça querer me deixar.

Anahí permitiu-se uma risada entre o choro.

— Você sabe o que isso significa?

— Sim. Que nós iremos envelhecer e ficar com os cabelos bem brancos, juntos. Para sempre.

Anahí o apertou forte, descansando a cabeça em seu peito.

"Eu consegui, Alfonso. Consegui mudar o destino e salvei nosso relacionamento. Salvei nosso amor e nossa família. Eu consegui!'

Naquela noite, eles foram para cama juntos, de mãos dadas.

Anahí não podia se recordar de uma única vez em que-fora mãos dadas com Alfonso para o leito, nem mesmo quando era namorados.

Ao caminhar, sentindo a força com que ele a segurava, teve breve e maravilhosa imagem dos dois encurvados e grisalhos, o movimentos bem mais lentos, os passos um pouco mais incertos enquanto subiam a escada juntos, de mãos dadas.

Lição de Vida - AyAOnde histórias criam vida. Descubra agora