O dia seguiu da pior maneira possível. Minha cabeça latejava durante a maior parte do tempo, eu me entupia de analgésicos e depois ficava zonza e parecia flutuar em uma nuvem de estuação. Nenhuma das duas sensações era minimamente agradável. Não havia posição confortável para ficar, não conseguia passar muito tempo deitada, nem sentada no sofá. O som da televisão feria os meus ouvidos e minha boca continuava seca, não importava quanta água eu bebesse. Mal podia me lembrar daquele vinho sem vomitar.
Cinco comprimidos e duas doses de digestivos mais tarde, percebi que não aguentaria passar mais tempo dentro de casa, olhando para as paredes e pensando nas dívidas não pagas. Estava acostumada a gastar a maioria do meu tempo no trabalho e agora sentia um vazio sem tamanho. Decidi sair pra dar uma volta, o ar puro com certeza me ajudaria a curar a ressaca. Fui até meu closet em busca de algo mais esportivo do que os típicos terninhos sociais que usava para trabalhar, só então me dei conta de que o meu guarda-roupas era formado de basicamente duas categorias: roupas de trabalhar e roupas de dormir (que se resumiam em camisas velhas de trabalhar).
A constatação me fez ver, mais uma vez, os anos desperdiçados da minha vida. Eu simplesmente não tinha uma vida social. Não havia ali nenhum vestido sequer, nenhuma calça de moletom e muito menos uma camiseta e um par de tênis. Inferno! Como é que uma pessoa se deixava chegar àquele ponto? Sim, eu sabia muito bem a resposta. Trabalhando igual a uma condenada, abrindo mão de festas que não fossem confraternizações de trabalho, abandonando os amigos e esquecendo de que havia um setor chamado "vida amorosa".
Calcei os sapatos com os saltos de cinco centímetros, os mais baixos que encontrei, a calça social mais larga e a camisa mais solta, em busca de conforto. Não era exatamente um traje apropriado para um participante do Iron Woman, mas para uma caminhada, teria que servir. Nem uma bolsa de alça comprida o suficiente para trespassar no corpo eu encontrei. Então, saí carregando uma bolsa modelo Hobo, prática, compacta e que cabia muito mais coisas do que parecia. Não que eu fosse precisar de muitas tralhas para dar uma caminhada, mas...
...só por garantia, decidi levar, além das chaves do apartamento, a carteira e os óculos de sol, um frasco de protetor solar (fator de proteção 50, o sol era o amigo numero um das rugas), um protetor solar labial (o sol era o inimigo numero um dos lábios), meus óculos de grau (poderia ser útil, nem que fosse para ler alguma placa indicativa), uma garrafa de água mineral, melhor do que isso, a minha xícara térmica com água mineral estupidamente gelada (o sol era o inimigo numero um da hidratação). Revi todos os itens. Estava pronta para minha primeira aventura pela cidade!
Me senti uma turista estranha em meio a multidão que se aglomerava na praia de Copacabana. Natural de Curitiba, eu me mudara para o Rio de Janeiro depois que me formara em Engenharia Civil, justamente para assumir o cargo na construtora do Dr. Victor Hugo, que era um amigo chegado de um amigo de um irmão de um conhecido do meu pai, para quem ele devia um grande favor. O favor foi cobrado e eu empossada no cargo de coordenadora de equipe, sem mesmo ter que passar pelas etapas normais para crescer dentro da empresa. Sim, eu fui favorecida, mas não me envergonho. Às vezes (principalmente quando se é recém-formado e não se tem experiência profissional nenhuma), é preciso dançar conforme a música.
Nunca tirei um tempo para conhecer a cidade, nem mesmo os famosos pontos turísticos. Primeiro: nunca tive vontade nenhuma de zanzar por aí atrás de atrativos turísticos; Segundo: meu objetivo sempre foi me dedicar cem por cento ao trabalho e passear seria uma grande perda de preciosos momentos em que eu poderia estar calculando vigas e delegando tarefas; Terceiro: o Rio de Janeiro nunca me chamou muito a atenção. Talvez aquele fosse o último lugar que eu tenha tido vontade de conhecer um dia. Muito menos quis morar ali. Foi tudo força das circunstancias, destino, acaso, ou o sinônimo que você achar melhor. Definitivamente, não era o meu sonho.
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Ahmed Mir - O Príncipe do Egito
HumorUm romance bem simples, com uma capa caiseirona não oficial, valendo no NaNoWriMo, sem revisão profissional, portanto, ignorem os erros. ;) Sinopse: Débora Gianluppi acaba de ser demitida de uma das maiores empresas de engenharia do país. Vendo seu...