Voltei para casa arrasada.
Logo na entrada percebi o maço de papéis largados sobre a mesa, as contas que eu havia depositado ali no dia anterior. Segurei-as olhando atentamente cada uma e os valores de repente me pareceram altos demais. Fiz cálculos mentais e concluí que meu Fundo de Garantia, aliado ao Seguro Desemprego (vulgo Seguro Desespero) não seriam capazes de cobrir as dívidas do mês, já que minha Carteira era assinada há apenas um ano, fora os três meses de experiência. Suspirei e joguei-as de volta na mesa de vidro fumê, novinha, que eu ainda nem tinha acabado de pagar.
Fui até a cozinha e retirei da minha adega, também nova, uma garrafa de Cabernet Suavignon, o chileno, meu preferido. Eu estava guardando aquela garrafa para uma ocasião especial, por exemplo, uma promoção na construtora. Agora já não faria mais o menor sentido me privar daquele néctar dos deuses por nem mais um minuto. Será que essa história de beber pra esquecer era verdadeira? Bom, eu descobriria.
Enchi a taça e voltei para a sala de jantar, conjugada, separada pela grandiosa e imponente mesa fumê, entre a cozinha e a sala de estar. Bebi a meia taça de que havia me servido em um só gole, mal degustando a iguaria. Arrependida, voltei para a cozinha e desta vez, trouxe a garrafa comigo, e sentei-me diante das contas, encarando os envelopes um por um e suspirando. Tenho quase certeza de que as ouvi suspirar de volta pra mim. Depois de analisar todas as faturas, e de desistir de bolar planos mirabolantes de assalto a banco, devolvi os envelopes ao local de origem, do outro lado da mesa, bem longe de mim, para o caso de tentarem morder-me.
Ali, na outra extremidade da mesa, estava o notebook criteriosamente posicionado em frente à cadeira estofada de encosto alto (que eu também não havia terminado de pagar ainda, como quase todos os meus móveis). Agarrei o artefato, abri a tampa, vendo a maçã começar a cintilar. Decidi navegar na internet, antes que essa fosse cortada por falta de pagamento. Assim como o telefone, a energia elétrica e a água não demorariam a ser também.
Eu recém financiara aquela droga de apartamento, naquela droga de prédio onde sempre quis morar. Achava que nunca poderia, e conseguir uma unidade vaga com uma parcela que caberia no meu bolso, fora uma grata surpresa do destino. Eu não agi de maneira precipitada, esperei acabar o prazo do contrato de experiência na firma para me "firmar no emprego", antes de me endividar. Estava tudo certo, tudo indo às mil maravilhas. Eu quase tinha a vida que pedi a Deus, não fosse pelas contas que acumulei, mas, gente pobre não tinha que fazer assim, se quisesse ter algo na vida?
Ok, talvez a minha filosofia fosse um pouco falha. Eu deveria ter ouvido a minha avó, que achava que a gente tinha era que viver com o básico do básico e acumular o máximo de dinheiro possível... É vozinha, a senhora tinha razão. Se eu tivesse ouvido o seu conselho, não estaria perdida, agora, prestes a perder tudo o que eu construí.
Construir. A simples menção da palavra fazia voltar para a minha cabeça a cena no canteiro de obras. Eu nunca esqueceria a expressão no rosto do Dr. Victor Hugo, enquanto seu empreendimento era destruído pela força de três retroescavadeiras. Tive medo de passar o resto da minha vida sem dormir, tendo pesadelos com a carranca feia do Dr. Victor Hugo.
Puxei o notebook para mais perto. Fazia dias que eu não acessava as redes sociais. Achei que talvez pudesse encontrar algum amigo online para conversar, quem sabe isso ajudasse a aliviar meu desespero. Não pretendia dividir o desastre com a minha família. Sabia o quanto meu pai ficaria decepcionado quando soubesse de tudo. Já bastava o quanto eu tinha decepcionado a mim mesma.
Liguei o computador e sentei-me. Não havia nenhum e-mail a responder em nenhum dos três endereços pessoais que eu mantinha. Realmente, eu não tinha muitos amigos nem pra me enviar piadas ou correntes. Pelo menos as lojas, ah, essas não se esqueceram de me enviar e-mails promocionais que entupiam minhas caixas de entrada e me davam falsas esperanças de peneirar alguma mensagem decente. Pensei nos acontecimentos do último ano e concluí que estivera ocupada demais com a empresa para me deixar folgar e ter alguns momentos de lazer com meus antigos amigos. Eu sempre fui meio solitária, nunca nem tive uma melhor amiga.
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Ahmed Mir - O Príncipe do Egito
HumorUm romance bem simples, com uma capa caiseirona não oficial, valendo no NaNoWriMo, sem revisão profissional, portanto, ignorem os erros. ;) Sinopse: Débora Gianluppi acaba de ser demitida de uma das maiores empresas de engenharia do país. Vendo seu...