dois

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Passei a dedicar mais pensamentos meus a Charles.

A cada momento em que o silêncio predominava, minha mente puxava a pasta de arquivos dele. Todas as vezes em que o vi fitando o nada, e todas as vezes em que falamos sobre a vida dele, caso houvesse mais tempo.

Comecei a fazer planos para Charles também. Montei a imagem de sua futura namorada, seus três filhos e seu cachorro. Imaginei-o feliz, vivo e saudável.

Tinha a sensação de que eu, mais do que ninguém, queria vê-lo bem. Talvez por exceção do próprio Charles, eu era a que mais achava injusto que ele fosse amaldiçoado com algo tão cruel. Afinal de contas, que coisa é mais cruel do que saber que sua vida não durará muito mais do que uns meses?

Talvez uns dois meses após nosso primeiro encontro, recebi uma ligação da mãe dele. A voz dela estava diferente, como se estivesse chorando recentemente.

Charles havia sido internado.

Soube que seu estado piorara muito; ele sentia muita dor e tivera hemorragia. Eu não sabia onde, exatamente, era seu câncer - e nem queria saber. A doença era um assunto que não incomodava Charles, mas me deixava profundamente irritada. Lembro até hoje do dia em que pedi a ele para não falar sobre isso, e ele riu. Uma risada tão infantil, cheia de energia. Uma energia positiva que nunca encontrei em outra pessoa.

Passei, então, a ir visitá-lo toda semana, sempre com algo diferente em mãos. Nas primeiras vezes, comprava alguns objetos - chaveiros, lembrancinhas, ou objetos estranhos que eu imaginava que ele fosse gostar. Até o dia que ele me pediu para não fazer mais isso.

- Não compre mais nada, ok? - Pediu, delicadamente. - Digo, eu gosto de como traz coisas para mim. Mas, traga coisas achadas. Pequenas coisas, com um valor emocional ou uma história. Eu gosto de histórias.

Ele valorizava o sentimento e as histórias profundamente. Quando ia visitá-lo, além de levar coisas achadas, comecei a levar histórias também. Pequenos contos que me eram contados, ou cenas cotidianas que aconteciam comigo. Cenas cômicas, peculiares, e pensamentos meus. Ele ouvia tudo com muita calma e paciência, sempre olhando para mim e sorrindo.

Charlie, como passei a chamá-lo, começou a escrever algumas de suas memórias num caderno preto, comprado por sua mãe.

- Bom, preto não foi a cor que estava nos meus planos pra esse caderno - confessou, com um sorriso. - Gosto mesmo de azul. Azul como o céu, como o mar, como o brilho dos olhos da minha mãe. Mas só tinha preto quando ela foi comprar.

Fiz do meu hobby colecionar figurinhas azuis para colar no caderno preto. Não importava o personagem, nem o tom do azul; eu pegava todas que via. Elizabeth me ajudou com algumas.

Sempre que eu chegava, ele me saudava com um "pode entrar, Julie". Só deixou de falar assim um bom tempo depois, pois estava fraco e não tinha mais muita energia. E Charlie sempre dizia que, se fosse para falar baixo e sem entonação, nem abria a boca.

Mas ele ainda sorria. Os cabelos haviam caído novamente assim que fora internado, quando voltou a fazer quimioterapia. Ele vivia reclamando das dores, e eu não parava de pensar em como seria bom se eu pudesse doar não só meu amor, minha amizade e carinho para ele, mas meu tempo também. Eu daria a ele alguns anos da minha vida sem hesitar.

Daria qualquer coisa a Charlie.

Daria qualquer coisa a Charlie

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HELLO

vocês estão gostando, crianças?

então comentem suas ameaças de morte à mim nesse paragrafo, porque eu sei que vocês querem a minha cabeça depois de tanto sofrimento ahuahsuahu

enfim, AMO VOCÊS <3

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