Juno, a rainha do céu

182 2 0
                                    

– Sim, agora minha pequena Juno está a salvo... Mas até quando?
Assim dizia Cibele, após ver resgatada, do ventre de seu cruel esposo Saturno, a sua
filha querida. O velho deus havia engolido um a um os seus filhos, tão logo estes haviam
nascido; Júpiter, porém, lhe ministrara uma bebida encantada, obrigando-o a regurgitá-los de
volta para os braços da mãe. Cibele, a precavida, imaginava agora um meio de manter a salvo
a sua filha dileta.
“Tenho um pressentimento de que a ela está destinado um lugar de honra na corte
celestial!”, pensava a deusa, acariciando os cabelos de Juno.
Imaginava Cibele, como todas as mães, divinas ou não, que sua filha excederia em
beleza e poder todas as outras filhas da face da Terra ou da imensidão do céu.
De repente seus olhos avistaram, para o ocidente, um fulgor intenso.
– É isto! – exclamou Cibele, feliz. – Levarei-a para o país das Hespérides!
Hespérides eram três encantadoras deusas que governavam um país paradisíaco, onde a
primavera era eterna e a necessidade não existia.
– Queridas amigas, preciso entregar a minha bela Juno aos seus cuidados, pois somente
aqui ela estará em segurança.
Abriram um largo sorriso, enquanto uma delas envolvia a deusa em suas vestes
esvoaçantes.
– Vá em paz, Cibele – disse esta. – Nós faremos da sua filha a mais poderosa das
deusas.
Juno respondeu apontando o dedo para o céu.
O tempo passou e Juno tornou-se uma deusa de maravilhosa beleza. As Hespérides
eram unânimes em reconhecer este seu atributo, que fazia par com o da perfeita sapiência.
– Vejam: os animais e mesmo as flores parecem ficar felizes tão logo sua presença se
anuncia – diziam alegremente as irmãs, todos os dias, umas às outras.
Juno, contudo, apesar de estar satisfeita naquele lugar paradisíaco, ambicionava mais
alto. Com olhos postos no céu, suspirava todos os dias:
– Tudo é belo... mas eu queria mesmo era ser rainha do céu.
Por uma natural inclinação, a moça procurava sempre os lugares mais altos da ilha para
dar largas à sua imaginação. Havia um rochedo, à beira-mar, que era o seu refúgio especial.
– Mais um passinho e posso quase tocar o céu... – dizia ela, brincando e esticando seu
alvo dedo.
Um dia, estando ali sentada, sentiu muito calor. Então avistou no horizonte uma nuvem
que vagava meio sem jeito, como que perdida das outras.
– Adoro chuva! – pensou, esticando o pescoço na ânsia de ver as companheiras daquela
comparsa extraviada. – O único defeito deste país encantador, se há algum, é o de chover tão pouco!
Então pôs-se em pé, cerziu os olhos e começou a pensar com toda a força:
– Quero muito que chova! Que chova muito! É o que quero!
Juno reabriu os olhos e viu que agora aquela nuvem mal-esboçada e solitária, lá
adiante, havia ganho uma inesperada e rechonchuda companheira.
A jovem fechou os olhos outra vez e repetiu com toda a força:
– Quero muito que chova! Que chova muito! É o que quero!
Quando reabriu outra vez os seus olhos, viu que um exército de outras nuvens havia se
juntado à primeira, engolfando-a num turbilhão escuro e barulhento. Juno colocou-se na ponta
dos pés e aspirou profundamente.
Hmmm.... Perfume de chuva, não há outro igual.
Num instante as nuvens chegaram, e a jovem deusa comandou do alto uma tremenda
tempestade, como nunca as Hespérides haviam visto. Os raios esgrimiam ao redor da jovem
os seus espadins recurvos, porém sem nunca atingi-la, enquanto a água da chuva a envolvia
num frescor delicioso.
Depois que a chuva passou e um vento fresco secou suas roupas, afastando para longe
as nuvens tempestuosas, Juno olhou para o céu, novamente azul.
– Tudo é belo... Mas eu queria mesmo era ser rainha do céu.
Neste instante uma águia de asas imensas surgiu das alturas. A ave, após rodopiar ao
redor da deusa, agarrou-a delicadamente e suspendeu-a no ar. Juno, embora surpresa, não se
assustou; algo lhe dizia, secretamente, que o seu sonho começava a se concretizar.
– Para onde me leva, águia sutil?
Foram ambas subindo, a águia e a deusa, até que, adentrando o próprio céu, Juno viu-se
diante do jovem Júpiter.
– Estou no céu! – gritou Juno, de olhos brilhantes.
O pai dos deuses explicou então a Juno tudo o que havia ocorrido e como ele a havia
salvo do ventre do tirânico pai de ambos, Saturno.
Juno, agradecida, abraçou os joelhos de Júpiter. Depois disse a ele, radiante de
esperança:
– Tudo o que você diz é belo... Mas eu queria mesmo...
O pudor, entretanto, impediu-a de repetir pela milésima vez o seu desejo.
– Sim, adorada Juno, você será, sem dúvida, rainha do céu – completou Júpiter,
sorridente, que escutara diversas vezes, ali do alto, a jovem clamar por seu desejo. – Desde
que a vi manejando a tempestade e orquestrando os raios, decidi que seria a esposa ideal para
mim.
E foi assim que Juno casou-se, tornando-se Rainha do Céu e dando início à história do
casal mais famoso da mitologia antiga.

 Onde histórias criam vida. Descubra agora