Anne Lee

1.1K 150 6
                                    

Desci as escadas sentindo o cheiro de biscoito assado e sorrir lembrando minha infância.

-Eu com certeza vou aumentar de peso com suas comidas vovô! - entrei na cozinha comentando.

-Você não se preocupava com isso quando tinha doze anos. - ele retruca e faço uma careta.

-Eu não me preocupava com a aparência com doze anos vô.

-E desde quando se preocupa? É linda do jeito que é.

Pude sentir a repreensão em sua voz e penso no que disse. Acho que passeia me preocupar com coisas tolas desde que voltei, mas precisamente quando vi Dylan.

Dylan?

Sou uma pessoa horrível por querer meu melhor amigo e ele já tem uma vida resolvida.

-Anne querida, venha me ajudar com essas decorações. - ouço minha vó chamar e roubo uma bolacha em forma de estrela, fugindo dos olhos do meu velho.

-Quer terminar de enfeitar a casa vó? - indago me jogando no sofá.

-Preciso dos seus olhos querida. Qual dessas toalhas de mesa combinará? - pergunta levantando dois panos, um verde com folhas de pinheiros e um vermelho com branco e bonecos de neve.

-Eu gosto do vermelho. - opino e vejo-a guardar o outro.

-Ótimo e a árvore já está... Oh não, ainda está nua?

-Nua? Vó, é uma árvore. - gargalho. – Dylan vai vim me ajudar a montar.

-Ah ele vem é?

-Ele disse que sempre vinha. - digo estranhando sua surpresa.

-Dylan! É claro. Só não imaginei que você fosse aceitar, falando nisso, como foi o jantar? - indaga sentando ao meu lado e ergo uma sobrancelha.

-Vó! A senhora é muito curiosa. - acuso fazendo-a cair no riso.

-É só porque quero saber como você está lidando com isso.

-Não há nada para lidar, somos e seremos apenas amigos.

-Então vai jogar tudo para debaixo do tapete? - questiona e suspiro.

-Você conheceu Mary vó e viu como é uma pessoa legal. Não quero destruir nada e nem ninguém, para mim Dylan está feliz e é assim que ele deve continuar. Vou ignorar todos os sinais de amor e paixão. Com o tempo, tudo não vai passar de um sentimento besta e inoportuno.

-E se ele gostar de você minha menina? - mais uma vez minha vó me questiona e resolvo ficar em silêncio.

Agradeço por ela não continuar comentando e ir para cozinha me deixando a sós com meus pensamentos. E se ele gostar de mim? Existe um "e se"? Será que surgiu um sentimento dele por mim agora que voltei ou... Foi antes? Lembro de brincarmos de sermos um casal na infância e quando grandes, ele sempre se mostrou carinhoso e fiel. Até quando meus pais morreram ele ficou comigo durante todas as noites, aguentando meus desabafos e fúrias. Ficou do meu lado quando decidi ir embora também, se gostava de mim, porque deixou?

Apesar disso a maneira como ele me olha... Parando um pouco para analisar, seus olhos sempre vasculharam meu corpo e a intensidade deles ao falar comigo é forte. É notável ver o verde escurecer com a mudança. Posso comprovar hoje quando ele vier e aliás, está um pouco atrasado.

Ligo a TV pondo em um filme aleatório de natal. Nessa época é comum ter filmes nesses tipos. Sigo acompanhando o casal na tela que se conhecem durante a semana de natal e terminaram por achar o amor verdadeiro. É clichê, mais quem sabe? Isso pode acontecer. Assim que acaba, noto que está de noite e percorro a casa a procura dos meus avós.

-Ele já chegou querida? - pergunta minha avó e sorrio em meio suspiro.

-Não. Acho que ele não vem.

-Pode ter acontecido algum imprevisto. - deduz e aceno.

-É, pode ser. Mas então, me ajudam com a árvore?

-Como nos velhos tempos. - murmura meu avô e sorrio tentando esconder minha tristeza.

Velhos tempos! Nesses tempos havia meus pais e havia Dylan. Sabia que era loucura minha, achar que ele podia gostar de mim. Assisto a empolgação dos dois abrindo a caixa onde estão os enfeites e os olhos brilharem pela magia do natal. Sorrio percebendo como nosso mundo gira. A vida nos tira e a vida nos dar. Eu tenho uma família e linda por sinal.

-Ei! Não comecem sem mim! - digo fingindo revolta e me junto aos dois entre risadas e novas memórias.

Com a árvore montada, decido não colocar a estrela do topo. Por mais que Dylan não tivesse vindo, parecia errado eu colocar sendo que havia dito que ele faria as honras. Enrolei um pouco meus avós para pôr a estrela e assim consegui despistar que a árvore não estava completa. Os dois estariam tão ocupados que nem perceberiam esse detalhe pequeno.

Dito e feito. Véspera de natal e a casa parecia mais desarrumada que arrumada. Parecia até que um furacão havia passado por aqui. Revezei entre ajudar meu avô na cozinha, lavando tudo que era sujo e minha avó trazendo tudo que era pedido. Ao fim do dia eu estava cansada, mas depois de me arrumar e descer as escadas, notifiquei que meu cansaço foi gratificante. Havia tantos pisca-piscas que a casa parecia ser iluminada apenas por isso. Os presentes estavam debaixo da árvore e a música natalina ecoava pelo ambiente.

Ouvi algumas vozes na sala e me apressei em ir até lá. Reconheci o Victor assim que pus meus olhos nele. A perda da mulher o deixou alguns anos mais velho, mas ele estava bastante disposto e superando muito bem.

-Anne! Veja quem já chegou. - alegrou meu avô e sorrir para Victor.

-O senhor sempre era o primeiro a chegar e pelo visto nada mudou. -brinco e abraço-o.

O sorriso me lembrava Dylan e se no futuro era assim que ele seria, posso dizer que será um coroa bonito.

-E a senhorita cada vez mais linda! - elogia e sorrio balançando a cabeça. - Estou feliz que tenha voltado. Dylan virá mais tarde, ele está... Criando coragem. - murmura e vinco minha testa.

-Criando coragem? - repito e só então a ficha caí. Ele pedirá Mary em casamento. Eu devia estar feliz, não devia?

Engulo em seco ao mesmo tempo que a campainha toca. Aproveito o momento para ir para a cozinha. Preciso me recompor, no entanto a dor de perder alguém outra vez martela meu peito. Sinto uma vontade de chorar e tomo respirações profundas. Minha avó não pode me ver assim, se bem que posso dizer que é por causa de meus pais.

Meus pais! Desde quando ficou mais fácil pensar neles?

Desde que voltei. Suspiro me apoiando sobre a pia. É ridículo dizer, mas ficou melhor depois que voltei, depois de Dylan. Lembro que mesmo antes de viajar, estar com Dylan diminuía um pouco a dor, me sentia segura e amparada. Senhor! Tampo minha boca inibindo o arfa de minha descoberta. Sempre fui apaixonada por ele e todo esse tempo eu escondi o sentimento atrás de uma eterna amizade.

Mas agora do que adianta? Ele vai se casar com outra e será feliz. Será feliz longe de mim.

-Anne? - a voz de minha vó surge atrás de mim e tento me recompor em vão. Ela já sabe que há algo de errado e me vira para me olhar nos olhos.

Por favor, que não perceba que é sobre Dylan!

-Ah minha menina, sei o quanto é difícil passar essa data sem eles. -murmura e sorrio em meio olhos de água. - Mas eu e seu avô estamos aqui pelo tempo que precisar.

Era sobre Dylan e não sobre meus pais que estava assim, porém sua fala misturou tudo dentro de mim e deixei que algumas gotas caíssem.

-Eu sei vó, obrigada. - sussurro e abraço-a tendo seu colo.

-Agora limpe esses olhinhos lindos e vamos para sala, alguns de seus primos e tios já chegaram e eu não contei que está de volta.

Respiro fundo e ajeito ao máximo minha maquiagem. 

Anne e Dylan - Um conto de natalOnde histórias criam vida. Descubra agora