Tédio. Nada estava bom. Tudo era rotina, consequentemente tudo era um tédio. Acreditava que sua obra de arte ainda não estava completa. Mas o descobriram e ele teve que fugir.
Estava cansado de tudo e, definitivamente de todos, principalmente daqueles que tentavam arrombar a porta naquele momento. Daquelas malditas sirenes também. Assim, ele tomou sua decisão.
Apenas um tiro e tudo se tornou escuridão. Pelo menos por um certo tempo.Ele abriu os olhos, mas não notou diferença alguma. Ergueu suas mãos e as aproximou de seu rosto, na tentativa vã de pelo menos as enxergar. Imaginou que a visão se acostumaria com a intensa escuridão, assim como acontecia quando ia ao cinema e ele logo enxergaria os vultos diante de seus olhos.
Não enxergou nada.Acreditou estar cego. Mas a certeza disso logo o abandonou. Um pequeno ponto brilhante, que parecia estar a milhas de distância dele oscilou. Rápido e brilhante como o piscar de um vagalume, mas ele o viu. Era como estar em um túnel e se almaldiçoou ao lembrar do que todos os sobreviventes de uma experiência de quase morte repetem: "a luz no fim do túnel".
Babozeiras. Não havia nada além da morte. Malditos egípcios. Idéia infundada.Zéfiro começou a correr pra onde vira, ou achara que vira, um pequeno ponto de luz.
A última coisa de que se lembrava, antes de estar imerso no breu, era de estar num banheiro olhando para o próprio reflexo e um breve... estampido? Era isso? Um tiro? e depois um frio e...Sentia suas pernas se movendo, os pés descalços tocarem o chão, mas não sentia estar realmente saindo do lugar. Não sentia qualquer brisa ou até mesmo a sua respiração, alteração no terreno e muito menos identificar o chão em que pisava. Sabia que era sólido, mas a perfeição o incomodava. Era como estar dentro de uma sala de vidro, sem paredes. E sua respiração? Não deveria estar ofegante? Não sabia a quanto tempo já estava correndo, mas sabia que até mesmo os atletas profissionais em algum momento cansavam.
Na verdade o homem não sentia nem o movimento propriamente dito de inspirar e expirar. Mas era impossível não estar respirando.
Zéfiro parou de correr e começou a se apalpar, como quando se percebe que esqueceu ou perdeu algo. A sensação era a mesma pelo menos.-Mas eu estou sentindo minha pele... consigo até...Estou nu?! Mas que porra é essa?
Zéfiro falou e imediatamente sua voz ecoou. A sensação era de estar em um grande salão. Novamente o pequeno ponto de luz piscou, deixando pra trás um som metálico que reverberou por alguns segundos e cessou antes de Zéfiro conseguir identificar. O som de algo pesado e metálico sendo...arrastado?
O homem voltara a correr, sempre em frente, na direção de onde achava que vira o ponto luminoso.
Como um louco ele corria e desta vez o novo som que ouviu ele conhecia bem.
Era um sorriso.Zéfiro parou subitamente e girou como se isso o ajudasse a ver melhor. Impossível.
-Olá? -Zéfiro continuava a girar, tentando olhar ao menos o vulto de quem sorrira.
-Olá!
-Onde estamos? Pode me ajudar?...por favor?
-Onde estamos?-risos-Pode me ajudar?Não!...Por favor?Nunca! Disse a voz em resposta.
Zéfiro, já irritado com toda a situação em que estava ficou mais ainda quando percebeu que o sorriso e a voz que o fizera parar sua caçada ao ponto de luz eram ambos de uma...criança. E ele odiava crianças. Sempre odiou. Em seus pensamentos a mesma voz insistia em dizer que foi por odiálas que ele fez o que fez consigo mesmo. Na verdade ele acreditava cegamente que elas o haviam forçado a estar diante daquele espelho, naquele banheiro imundo cheio de merda e cheio...delas?
-Zéfiroooooooo....Venha brincar com agente! -disse outra voz infantil.
O homem agachou-se com uma das mãos na boca, achava impossível estar ouvindo vozes. Mas ao mesmo tempo tinha certeza absoluta de que eram vozes de crianças. Mas justo as vozes daquelas crianças? O homem ponderou rapidamente sobre a situação e isso fez com que o ódio voltasse a circular por todo o seu corpo. Ele voltou a correr. As risadas infantis apenas aumentavam enquanto ele mesmo também começava a sorrir.
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A PENITÊNCIA
HorrorUma amostra de que a morte não é o fim e sim o começo de um novo pesadelo.