JORNAL O POVO
Ed. 12, Dezembro de 1995
"CASO DO PROFESSOR MANÍACO, ESTÁ ENVOLTO EM MISTÉRIOS."
Foram encontrados nesta quarta feira (14), em uma casa abandonada na cidade maranhense de Jabuticabal, a 200km da capital do estado,os corpos de 09 crianças já em avançado estado de decomposição. Os corpos estavam amontoados no banheiro da residência. O local foi encontrado após os policiais seguirem o principal suspeito dos crimes, o Professor de Artes da Escola Eterno Amor, Zéfiro Souza (37), carinhosamente apelidado pelos alunos por Tio Zéfiro. Seus passos vinham sendo monitorados há algumas semanas devido a denúncias de pais que o acusavam de ter aliciado alguns menores, fato esse negado pela diretoria da escola onde lecionava. Ao perceber a presença da polícia, segundo o Sgt. Bezerra relatou, o maníaco surtou e teria efetuado dois disparos contra a viatura,adentrado ao local e se trancado no banheiro. Mas o que mais intriga os policiais é que ao forçarem a entrada no banheiro, o acusado após algum tempo simplesmente fez um único disparo. A princípio os policiais imaginavam que o pedófilo e serial killer, havia optado pelo suicídio, porém ao conseguirem arrombar a porta não encontraram nada além dos corpos das crianças e um revólver calibre 38 caído no chão. No banheiro havia apenas um vaso sanitário, uma pia quebrada e um grande espelho trincado. Não havia forro ou janela pra servir de rota de fuga para o acusado"
***
O homem estava nervoso. Seus planos estavam indo por água abaixo.Alguns pais estavam de olho nele há algum tempo.
-Aquelas malditas crianças choronas... -o homem se aproximava do seu esconderijo, quando avistou uma viatura. Seus olhos se cruzaram com os dos policiais e ele nem teve tempo pra raciocinar. Tirou seu revólver da cintura e disparou. Uma...duas vezes. Correu, passou pela pequena mureta da casa e entrou. Passou pelo corredor apertado e amarrotado de entulho e se trancou no banheiro.
Ele foi rápido, mas estava preso em uma ratoeira. Lá fora, agora, os policiais esmurravam a porta que, embora antiga, não cedeu à enchurrada de socos e pontapés de seus perseguidores...que além de policiais também eram pais. E não era isso que o amendrotava? O que aqueles pais fariam com ele, se o pegassem? Não correria o risco de ser linchado e ainda estuprado assim que caísse no presídio.
Pegou seu revólver, retirou as balas, exceto uma. Girou o tambor, duas vezes e finalmente engatilhou. Olhou uma última vez para aqueles corpos já apodrecidos e achou incrível não se incomodar com aquele odor de ovo podre. Sorriu. Um sorriso breve mas sádico o suficiente para chamar a atenção de um ser, há muito adormecido. Era como um imã toda aquela situação. A maldade que emanava do humano que acreditava piamente ser um simples artista era saborosa. Como sua carne deveria ser. Observou ansioso pela atitude que selaria a união de seus destinos por infinitas eras. A nuvem de ódio, tão antiga quanto o próprio tempo adormecia desde o último suicídio que ali acontecera. Do outro lado de sua prisão de trevas e fogo, o homem olhava seu próprio reflexo. Seu braço se erguendo, com sua arma em punho, os malditos haviam lhe importunado demais, e ele se entediava rápido demais. Se entediou e disparou.
Os policiais, ao ouvirem o estampido único e feroz, se apressaram em derrubar a velha porta. Em vão.
Antes mesmo de o corpo sem vida de Zéfiro, ou Tio Zéfiro, cair, uma sombra, na verdade uma densa nuvem negra atravessou o espelho e o absorveu. Foi a primeira vez que a escuridão lhe engoliu. A primeira de muitas a partir dali.***
O homem nem olhou pra baixo. Apenas tomou impulso e pulou pela janela. A esperança quase infantil -e ele gostava muito de infantilidades- de que iria cair em inúmeros sacos de lixo acolchoados como em desenhos animados, era tão anormal como a vida toda de Zéfiro, o Tio Zéfiro, era. O que o esperava, o que amparou sua queda, foram inúmeras barras pontiagudas de ferro, incandescentes. O fedor de carne queimando invadiu as narinas do paciente pedófilo. Ao erguer sua cabeça, talvez a única parte de seu corpo que não havia sido trespassada, pôde ver seu coração palpitando fora do peito. A dor mais uma vez veio e antes de morrer mais uma vez, viu um par de olhos vermelhos o fitando. Estava envolto em uma densa nuvem negra, que fedia a ovo podre. A nuvem se aproximou e os olhos que o fitavam foram substituídos por uma enorme boca, com dentes pontiagudos como agulha.
A boca gigante e enevoada despejou uma cachoeira de ácido sobre o corpo de Zéfiro e a dor o consumiu novamente.***
Algum tempo depois, não se sabe ao certo quanto, Zéfiro de Souza, ex-professor e pedófilo incurável, acordava na pura e densa escuridão. Não sabia, ou não lembrava como chegara ali, além de não poder realmente ver onde estava. A escuridão era enorme.
Um pequeno ponto de luz oscilou brevemente há uma distância considerável e, antes que Zéfiro pudesse pôr as idéias no lugar, ele ouviu risadas...risadas de crianças.
O ciclo penitente recomeçara.
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A PENITÊNCIA
HorrorUma amostra de que a morte não é o fim e sim o começo de um novo pesadelo.