Júlia

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~Ela está?~ Tia Berenice o encarou, ao mesmo tempo em que eu me virava e o fuzilava com os olhos.
O que? , movi os lábios. O que aquele maluco estava dizendo? Não era hora para brincadeiras!
Dênis abriu um sorriso cheio de dentes que, em contraste com sua pele escura, ficaram ainda mais brancos. Seus olhos se estreitaram minimamente.
~ Eu acho que você não devia guardar segredos da sua tia. O que tem demais ela saber que você está loucamente apaixonada? ~ E me lançou um olhar que dizia : Fica quieta e entra na minha.
~ Você tem namorado, Juju? ~ minha tia quis saber.
~ Tem sim! Vai,Júlia. ~ Dênis estendeu o braço e beliscou minha cintura sem que ela visse. ~ Conta pra sua tia como o seu namorado é carinhoso e preocupado. Ele está louco por ela, dona Berê.
~ Preocupado com ela, Dênis?
O que vc está fazendo?, movi os lábios novamente.
~ O que o médico mandou. Acalmando sua tia ~ ele sibilou, abaixando as sobrancelhas grossas em direção à cama. ~ Ah, muito preocupado, dona Berê. Nunca vi um homem tão apaixonado!
~ Isso é verdade, Júlia?
Eu me virei para tia Berenice, pronta para responder que Dênis tinha batido a cabeça e não estava falando coisa com coisa. Porém, quando meu olhar encontro o dela, algo me fez hesitar. Uma faísca de vida cintilava em seu rosto. Foi aí que eu entendi o que Dênis estava fazendo. Nada agradaria mais tia Berenice do que me ver com um namorado.
Exceto, talvez, umas costelinhas de porco.
~ Isso é verdade, Juju? ~ ela repetiu, a mão sobre seu coração se aquietando.
~ Éééééééé...~ concordei devagar. Eu devia ter me sentido mal, mas não. Uma mentirinha de nada que tiraria aquele eu sombrio e agourento do seu rosto não podia ser ruim. Talvez até ganhássemos mais tempo! ~ É verdade tia.
Ela arqueou a sobrancelha, escrutinando meu rosto. Fiz o melhor que pude para não coçar o nariz. Não sei bem por quê: toda vez que eu minto, meu nariz comicha como se eu tivesse esfregando pimenta nele.
~ Por que não me contou antes ~ ela quis saber, um tanto magoada.
~ Porque eu...não queria...
~ Que a senhora pensasse que ela não estava preocupada com o seu estado de saúde ~ Dênis improvisou.
~ Júlia! ~ Ela fez cara feia ~ Eu jamais pensaria isso! Quem é ele? Eu conheço? É alguém do seu trabalho?
~ Não, mas ele está louco para conhecer a senhora. ~ Agora que eu havia começado, não tinha como voltar atrás. ~ Na verdade, ele já tem ama.
~ Ah, meu Deus! Eu quero conhecê - lo! ~ Seu olhar reluziu. Era impressão minha ou suas bochechas pareciam mais coradas?
Estava funcionando!
~Eu o vi pela primeira vez no ponto de ônibus. ~ Tá bem. Eu podia fazer aquilo. Podia inventar uma porcaria de história de amor cheia daquelas coisas melosas de que ela tanto gostava. ~ Ele estava sentado, e eu acertei a cara dele sem querer com a mochila.
~ Seu computador estava dentro da mochila? ~ Um pequeno sorriso apareceu naqueles lábios sem cor.
~ Estava~ assenti. Meu amigo empurrou uma cadeira sob meus joelhos. ~ Obrigada, Dênis.
~ Disponha.~ Ele contornou a cama e pegou a mão da tia Berenice, acariciando-a.
~ E aí? O que aconteceu? ~ Ela me incentivou.
Pois é. O que? Nunca foi muito boa em inventar histórias.
Dênis em compensação...
~ Ela pediu desculpas~ meu amigo se entusiasmou~ e ele fingiu que não estava doendo, mesmo com metade do rosto quase roxa pela pancada. Aí ela perguntou se podia fazer alguma coisa para que ele a perdoasse. Ele sorriu e disse que perdoaria se ela aceitasse tomar um café. " Mas e se eu te acertar de novo sem querer com esta mochila descontrolada?", ela perguntou. Ele respondeu com um sorriso daqueles bem brilhantes. "Estou contando com isso. Assim você teria que se desculpar de novo, e eu teria outra chance de te ver."
~ Ownnnn... ~ minha tia suspirou, o olhar vidrado em Dênis. ~ Fala mais, querido. Como ele é ? Você o conhece?
~ Ainda não. A Júlia queria primeiro apresentá- lo para a senhora. Diz para sua tia como ele é, Júlia.
~ Ele é... o cara mais lindo que eu já vi. Gosta das mesmas coisas que eu... ~ Fui buscando na memória todas as características dos heróis dos livros e filmes que tia Berenice mais amava. Por fim, acabei descrevendo um homem tão perfeito que foi um milagre ela ter acreditado que ele realmente existia.
~ Ele mencionou alguma vez a palavras que começa com C? ~ Tia Berenice umedeceu os lábios.
~ Hã...É...Mencionou, sim. ~ Uma mentira a mais, uma a menos... que diferença faria? ~ Acho que ele pretende pedir a minha mão para a senhora, como manda a tradição, assim que sua saúde melhorar.

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⏰ Last updated: Nov 20, 2016 ⏰

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